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21 de julho de 2013

O que apenas os historiadores podem fazer? - 5

Elaboração de pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos sobre temas históricos


Comentário sobre o Art. 4 do Projeto de Lei 4699/2012 


     Nossa postagem anterior analisou uma das atribuições exclusivas dos diplomados em História, de acordo com o Projeto de Lei 4699/2012: apenas eles poderão realizar assessoramento, organização, implantação e direção de serviços de documentação e informação histórica; bem como assessoramento voltado à avaliação e seleção de documentos, para fins de preservação. Pessoas sem diploma em História ficarão proibidas de realizar essas atividades. Sem exceções.
     Examinamos naquela postagem, detalhadamente, o significado e consequências da proibição de que as pessoas sem diploma em História realizem essas atividades. Neste, como em outros pontos do referido projeto de lei, não se está atribuindo direitos com base na competência, mas sim em um mero título que não garante, de modo algum, competência para realizar as atribuições determinadas pelo projeto de lei.


     Nesta postagem, vamos examinar outras consequências importantes do projeto de lei sobre a profissão do historiador. De acordo com o referido Projeto de Lei:

Art. 4º São atribuições dos historiadores: [...]
VI – elaboração de pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos sobre temas históricos.


     Como já explicamos, sob o ponto de vista da interpretação jurídica, as "atribuições dos historiadores" não são simples direitos dos historiadores: são prerrogativas exclusivas, atividades que somente os historiadores (diplomados em História) podem exercer, e que estão proibidas às pessoas sem diploma em História. Isso fica mais claro no Parecer elaborado pelo relator do Projeto de Lei 4699/2012 na Câmara dos Deputados, o deputado Roberto Policarpo Fagundes (PT-DF):

O texto do Projeto [...] restringe o exercício da atividade aos graduados em curso superior e aos portadores de diploma de mestrado ou doutorado em História e atribui-lhes, privativamente, [...] a elaboração de pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos sobre temas históricos.

     Ou seja, quem não tiver diploma em História ficará proibido, por lei, de realizar essas atividades: elaborar pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos sobre temas históricos. Sobre qualquer assunto histórico. Sem qualquer exceção.


     Portanto, se o Projeto de Lei 4699/2012 for aprovado com seu texto atual, apenas os diplomados em História terão o direito legal de:
* elaborar pareceres sobre temas históricos;
* elaborar relatórios sobre temas históricos;
* elaborar planos sobre temas históricos;
* elaborar projetos sobre temas históricos;
* elaborar laudos sobre temas históricos;
* elaborar trabalhos sobre temas históricos.
     Sobre qualquer tema histórico. Sem qualquer exceção.
     Isso significa que nenhuma pessoa sem diploma em História poderá fazer pesquisas sobre qualquer tema histórico, já que não poderá elaborar projetos, nem fazer relatórios, nem elaborar trabalhos sobre qualquer tema histórico. 
     Um matemático, sem diploma em História, não poderá elaborar projetos, nem fazer relatórios, nem elaborar trabalhos sobre História da Matemática. 
     Um educador, sem diploma em História, não poderá elaborar projetos, nem fazer relatórios, nem elaborar trabalhos sobre História da Educação. 
     Uma pessoa da área de Artes, sem diploma em História, não poderá elaborar projetos, nem fazer relatórios, nem elaborar trabalhos sobre História da Arte. 
     Um astrônomo, sem diploma em História, não poderá elaborar projetos, nem fazer relatórios, nem elaborar trabalhos sobre História da Astronomia. 
     Um filósofo, sem diploma em História, não poderá elaborar projetos, nem fazer relatórios, nem elaborar trabalhos sobre História da Filosofia. E assim por diante.


     Nenhuma pessoa sem diploma em História poderá, também, dar pareceres ou laudos sobre qualquer tema histórico. Somente diplomados em História poderão participar de bancas ou analisar trabalhos submetidos a revistas sobre qualquer tema histórico, incluindo História da Lógica, História do Teatro, História da Odontologia, etc. Basta ter um diploma em História para poder fazer isso. 
     Projeto de Lei 4699/2012 pressupõe que qualquer diplomado(a) em História (e só ele/ela) tem a qualificação necessária para elaborar pareceres, planos, projetos, relatórios, laudos e trabalhos sobre qualquer tema histórico, incluindo qualquer tema sobre História da Astronomia, História da Genética, História da Música, História da Veterinária, História da Psicanálise, etc. O projeto de lei pressupõe que ele/ela será polivalente e auto-suficiente. Basta ter um diploma em História (qualquer diploma de graduação ou pós-graduação) para ser capaz de fazer tudo isso. Quem tem um diploma em História deve ser um Super Homem ou Super Mulher.


     Neste, como em outros pontos do referido projeto de lei, não se está atribuindo direitos com base na competência, mas sim em um mero título que não garante, de modo algum, competência para realizar as atribuições determinadas pelo projeto de lei. 
     Como já comentamos em outra postagem, na qual discutimos quem pode ser considerado um historiador, há muitas pessoas que não possuem diploma em História e que são consideradas atualmente como historiadores competentes. Nenhuma dessas pessoas poderá continuar a elaborar pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos sobre temas históricos. Não há qualquer exceção prevista no Projeto de Lei.


     Este talvez seja o item mais radicalmente proibitivo de todo o Projeto de Lei 4699/2012. Não conheço precedentes de uma proposta como essa, que tenta estabelecer uma legislação sobre quem pode ou não pode elaborar trabalhos sobre quaisquer temas históricos baseando-se apenas na posse de um diploma. 
     Acredito que o Brasil será ridicularizado em todo o mundo, se essa legislação for aprovada. 

3 comentários:

  1. Nada é mais justo que a regulamentação da profissão de historiador.

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    1. Nada é mais justo do que uma regulamentação que respeite as competências das outras pessoas e não crie uma reserva de mercado sem qualquer justificativa adequada. Vamos discutir argumentos?

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  2. Impressionante volume de documentos e depoimentos que permitem o diálogo necessário e esperado no ambiente acadêmico.

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