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19 de julho de 2013

O que apenas os historiadores podem fazer? - 2

Organização de informações para publicações, exposições e eventos sobre temas de História só podem ser feitos por diplomados em História

Comentário sobre o Art. 4 do Projeto de Lei 4699/2012 


     Nossa postagem anterior analisou uma das atribuições exclusivas dos diplomados em História, de acordo com o Projeto de Lei nº 4.699, de 2012: apenas eles poderão ministrar disciplinas de História, em qualquer nível (ensino fundamental, médio ou superior). Vimos na postagem anterior algumas consequências negativas muito graves que a aprovação do PL 4699/2012 teria na educação.


     Nesta postagem, vamos examinar outras consequências importantes do projeto de lei sobre a profissão do historiador. De acordo com o referido Projeto de Lei:

Art. 4º São atribuições dos historiadores: [...]
II – organização de informações para publicações, exposições e eventos sobre temas de História;

     Como já explicamos, "atribuições dos historiadores" não são simples direitos dos historiadores: são  prerrogativas exclusivas, atividades que somente os historiadores (diplomados em História) podem exercer, e que estão proibidas às pessoas sem diploma em História. Isso fica mais claro no Parecer elaborado pelo relator do Projeto de Lei 4.699/2012 na Câmara dos Deputados, o deputado Roberto Policarpo Fagundes (PT-DF):

O texto do Projeto [...] restringe o exercício da atividade aos graduados em curso superior e aos portadores de diploma de mestrado ou doutorado em História e atribui-lhes, privativamente, [...] a organização de informações para publicações, exposições e eventos sobre temas de História [...]

     Ou seja: quem não tiver diploma em História ficará proibido, por lei, de organizar informações para publicações sobre temas de História. Qualquer tipo de publicação (livro, revista, folheto...), sobre qualquer tema histórico. Não é prevista qualquer exceção à regra.


     Não fica proibido escrever sobre temas de História, se não for para publicar. Todas as pessoas têm direito de escrever sobre História e guardar o que escreveram na gaveta.
     Talvez também não seja proibido escrever e publicar... se as informações estiverem totalmente desorganizadas.
     Mas certamente, de acordo com o projeto de lei, nenhuma pessoa sem diploma de História poderá ser organizador de uma coletânea sobre qualquer tema de História. Nem organizar uma revista sobre qualquer tema de História. Nem organizar uma página ou caderno especial de um jornal sobre qualquer tema de História. Qualquer obra sobre qualquer tema histórico, incluindo História da Educação, História da Arte, História da Física, História da Veterinária, etc., só poderá ser organizada para publicação por uma pessoa com diploma em História.
     Não existe legislação semelhante a essa em qualquer país do mundo. Há liberdade de escrever, "organizar informações" e publicar sobre qualquer tema histórico.

Exemplo de um livro sobre um tema histórico que não foi escrito por um diplomado em História.

     Alguém pode defender o projeto dizendo: "Mas não fica proibido a ninguém publicar livros sobre História". É claro que não. Se fosse proibido, as próprias editoras e gráficas precisariam ser dirigidas por historiadores e todos os seus funcionários envolvidos na publicação de livros de História também deveriam ser historiadores; quem elaborou o projeto de lei preferiu não introduzir essa exigência...
     De acordo com o mesmo Projeto de Lei, quem não tiver diploma em História ficará proibido, por lei, de organizar exposições sobre temas de História. Não é prevista qualquer exceção à regra.

O texto do Projeto [...] restringe o exercício da atividade aos graduados em curso superior e aos portadores de diploma de mestrado ou doutorado em História e atribui-lhes, privativamente, [...] a organização de informações para publicações, exposições e eventos sobre temas de História [...]


     Não existe legislação semelhante em qualquer outro país do mundo. Nos museus de arte, não se proíbe que os especialistas em arte sem diploma em História organizem exposições sobre história da arte. Nos museus de ciência, não se proíbe que os especialistas em história da ciência sem diploma em História organizem exposições sobre história da ciência. E assim por diante.

Uma exposição sobre história da ciência, em Oxford, que não foi organizada por um diplomado em História.

     De acordo com o Projeto de Lei 4699/12, qualquer "historiador", ou seja, pessoa com diploma de graduação, mestrado ou doutorado em História, tem os mesmos direitos. Basta ter um diploma qualquer em História para poder exigir o direito de substituir uma pessoa sem diploma em História na organização de exposições sobre qualquer tema histórico, como História da Educação, História da Aeronáutica, História da Música, etc. Não é necessário que o "historiador" tenha qualquer formação nessas áreas. Basta o diploma. Isso é o que o projeto de lei está propondo.


     Seria interessante verificar se esse aspecto do Projeto de Lei nº 4.699 de 2012 não entra em colisão com os direitos legais dos Museólogos, por exemplo, que ficarão proibidos de organizar qualquer exposição sobre tema histórico, se não tiverem diploma de História.
     De acordo com o mesmo Projeto de Lei, quem não tiver diploma em História ficará proibido, por lei, de organizar eventos sobre temas de História. Qualquer tipo de evento. Sobre qualquer tema histórico. Não é prevista qualquer exceção à regra.

O texto do Projeto [...] restringe o exercício da atividade aos graduados em curso superior e aos portadores de diploma de mestrado ou doutorado em História e atribui-lhes, privativamente, [...] a organização de informações para publicações, exposições e eventos sobre temas de História [...]


     "Eventos" são congressos, seminários, simpósios, palestras, etc. Qualquer tipo de ocasião que reúna pessoas para divulgar os resultados de estudos ou pesquisas é um evento acadêmico.
     Não fica proibido a ninguém assistir a eventos sobre temas históricos, nem apresentar trabalhos neles (o que não deixa de ser curioso). Mas a organização dos eventos deve caber a um "historiador" (pessoa com diploma de História).
     É importante assinalar que o parecer do deputado Policarpo incluiu explicitamente os historiadores da ciência e os historiadores da educação dentro dessa mesma legislação, pois ele afirmou:

Neste sentido, é imprescindível a definição legal para o exercício da profissão de historiador, abrangendo igualmente os profissionais historiadores das Ciências e da Educação [...]

     A Sociedade Brasileira de História da Matemática (SBMat), se ainda puder continuar a existir, depois da aprovação desse projeto de lei precisará contratar um historiador para organizar os seus congressos e outros eventos. O mesmo se aplica a qualquer evento sobre qualquer tema histórico (História Militar, história da Lógica, da Mecânica Quântica, da Biologia, da Filosofia, etc.). Não há exceções previstas na lei.

Evento sobre história da Biologia, organizado sem a participação de diplomados em História.

     Portanto, o Projeto de Lei 4699/12 estabelece uma reserva de mercado bastante ampla, que inclui a organização de informações para publicações, exposições e eventos sobre temas de História - qualquer tipo de publicação, qualquer tipo de exposição, qualquer tipo de evento, sobre qualquer tema histórico.
     Será isso benéfico? Para quem, em que sentido?
     Bem, é claro que isso vai beneficiar financeiramente os diplomados em História que queiram se aproveitar da situação. Eles poderão cobrar certas taxas para assumirem "pro forma" a organização de eventos. No caso de publicações e exposições, a situação é mais complicada: o nome do diplomado em História precisaria aparecer como organizador da publicação ou da exposição. Isso parece inaceitável.


     Sob o ponto de vista acadêmico, a proposta de legislação é uma aberração. Como o "historiador" é caracterizado no  PL 4699/2012 como qualquer pessoa que tenha qualquer diploma de graduação, mestrado ou doutorado em História, uma pessoa sem qualquer formação específica em História da Educação, da Astronomia, da Literatura, da Química, etc., tem direitos exclusivos de organizar informações para publicações, exposições e eventos sobre esses assuntos. Os atuais e futuros especialistas sobre esses temas que não tenham diploma de História não terão direito nenhum de fazer isso.

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