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31 de agosto de 2013

AFHIC defende rejeição total do projeto de lei de regulamentação da profissão de historiador

A AFHIC (Associação de Filosofia e História da Ciência do Cone Sul) se posiciona pela REJEIÇÃO TOTAL desse projeto de lei.


Há tentativas de propor emendas ao Projeto de Lei 4699/2012 de regulamentação da profissão de historiador, mas muitas pessoas têm se manifestado pela sua rejeição completa, como vimos na postagem de ontem deste Blog. 

A AFHIC (Associação de Filosofia e História da Ciência do Cone Sul) é a primeira associação a se posicionar claramente pela REJEIÇÃO TOTAL desse projeto de lei. 


A professora Cibelle Celestino Silva, que representa a AFHIC no Brasil, divulgou a seguinte mensagem:

"Chamada ao debate pela Sociedade Brasileira de História da Ciência, em janeiro deste ano, a Associação de Filosofia e História da Ciência do Cone Sul, AFHIC, promoveu discussões sobre o Projeto de Lei 4699/2012 entre seus afiliados, por meio de mensagens eletrônicas. Como resultado, nos posicionamos contrariamente à aprovação do Projeto de Lei nos termos do texto atual. Após o final do recesso parlamentar o assunto passou a ser discutido novamente no âmbito da Diretoria da AFHIC.

Temos recebido notícias, através da Câmara dos Deputados, de que a Presidente Dilma vetaria o projeto de lei se ele fosse aprovado em sua forma atual, seja devido à repercussão negativa no Brasil e no Exterior, seja devido às objeções levantadas pelo Ministério da Educação e Ministério do Trabalho.

Em consonância com posições públicas de alguns historiadores e pelas notícias mencionadas acima, vários membros da Diretoria argumentaram em favor da rejeição total ao Projeto de Lei. Sendo assim, a AFHIC defende a rejeição do projeto proposto. 

Na crença de que nossa manifestação venha contribuir para uma solução que atenda a todos os que se dedicam ao exercício da atividade de historiador em nosso país, enviamos nossas cordiais saudações." 

30 de agosto de 2013

Manifestações de importantes pesquisadores sobre o Projeto de Lei 4699/2013 de regulamentação da profissão de historiador

Apresentamos abaixo as manifestações de diversos pesquisadores importantes que criticam de forma total ou parcial o texto do Projeto de Lei 4.699/2013. Em ordem alfabética:
* Denise Bottmann (historiadora, tradutora)
* Francisco Marshall (historiador, UFRGS)
* José Murilo de Carvalho (historiador, UFRJ)
* Luiz Carlos Soares (historiador, UFF)
* Luiz Henrique Lopes dos Santos (filósofo, USP)
* Renato Janine Ribeiro (filósofo, USP)
* Ricardo Luiz Silveira da Costa (historiador, UFES)
* Simon Schwartzman (sociólogo, IETS)


Denise Bottmann

DENISE BOTTMANN

"A grande vocação e traço essencial da história - entendida como reflexão, pesquisa, produção de saber e disseminação de conhecimento - é a TRANSdisciplinaridade. É uma ilusão supor que exista História como área de atuação que se possa dissociar das demais áreas de conhecimento. E muito menos ainda a história se resume ou se caracteriza pela utilização de determinadas técnicas e métodos de pesquisa. Sob qualquer aspecto que se olhe, não vejo qualquer justificativa para a regulamentação da profissão, a não ser o mais estreito e míope corporativismo para garantir uma reserva de mercado no ensino e em instituições como museus e arquivos."

(Denise Bottmann graduou-se em história pela Universidade Federal do Paraná; é mestre em teoria da história e doutora em epistemologia da história. Foi docente de filosofia da Unicamp. É autora de Padrões explicativos na historiografia brasileira e vários artigos de crítica e teoria historiográfica em revistas especializadas. Atua como tradutora de inglês, francês e italiano desde 1985, nas áreas de ciências humanas, história da arte, teoria e história literária.)
  
Francisco Marshall

FRANCISCO MARSHALL

"A História é conhecimento humanístico interdisciplinar, e interessa à sociedade, com sentido de totalidade: feita por todos e para todos, com complexidade e multiplicidade. Mesmo o suposto núcleo metodológico específico da História, a crítica documental rigorosa (que, aliás, não se ensina nos cursos de História), é compartilhado com muitas disciplinas, especialmente o Direito, a Criminalística e o Jornalismo, entre outras. As teorias da História, por seu turno, são heterogêneas e escolhidas à la carte, sem a possibilidade de afirmar verdades absolutas; desconhecer isto seria negar a natureza narrativa da História. Ademais, todos os sujeitos, grupos e campos do conhecimento são titulares da sua memória e dos seus modos de produzir História; é ilegítimo e até ofensivo que esta autonomia seja alienada, como ora pretendem os militantes do corporativismo, defensores de privilégios aos diplomados em História, à custa da liberdade, da diversidade e da pertinência epistemológica. Em defesa do valor social da História e das autonomias científicas, sociais e artísticas, é imperioso que este projeto de regulamentação da profissão de historiador (PL4699/12) seja removido da cena pública e legal brasileira."

(Francisco Marshall, historiador e arqueólogo, professor do Departamento de História da UFRGS, membro da Academia Nacional de Ciências de Buenos Aires, coordenador do Grupo Interdisciplinar de Filosofia e História das Ciências ILEA-UFRGS.)

José Murilo de Carvalho

JOSÉ MURILO DE CARVALHO

"O projeto é um primor de corporativismo e obscurantismo. Confere a quem tiver diploma o monopólio do exercício de qualquer atividade no campo da história. Só faltou incluir no monopólio a publicação de livros. Segundo ele, não são historiadores qualificados  pesquisadores  reconhecidos pela excelência de  suas obras, como Boris Fausto, Alberto da Costa e Silva, Evaldo Cabral de Mello e outros. Entre os já falecidos, também ficariam de fora José Honório Rodrigues, Sérgio Buarque de Holanda, Pedro Calmon, Raymundo Faoro, para só citar alguns. São ainda vítimas do exclusivismo corporativista  as dezenas de profissionais competentes que se dedicam à escrita da história de suas áreas de conhecimento, como Medicina, Saúde, Física etc. História não é ciência exata, pertence ao campo das Humanidades, no qual se exige dos praticantes,  além do conhecimento de  métodos e técnicas de pesquisa, imaginação e criatividade, dons que nenhum diploma confere. No máximo, poder-se-ia aceitar a preferência para diplomados em História na contratação de docentes do ensino fundamental e médio."

"Oponho-me ao PL 4699/2012 e acho que deve ser rejeitado, entre outras, pelas seguintes razões:
1. No ensino básico, a reserva de mercado deixaria centenas de milhares de alunos sem professores de História. Iríamos importar historiadores, como agora se faz com médicos, para sanar o deficit?
2. No ensino superior, a reserva de mercado inviabilizaria ou, no mínimo, empobreceria, o ensino da História de todas as outras disciplinas. Como colocar um licenciado em História para ensinar história da Matemática, da Física, da Biologia etc.?
3. Ainda no ensino superior, a reserva de mercado encerraria  a História em um gueto, eliminando o contato com outras áreas de conhecimento, fonte de sua permanente renovação. A História, isto é, sua escrita,  tem-se alimentado da Retórica,  das Ciências Sociais, da Filosofia, da Linguística, da Literatura etc.
4. Corporativismo e reserva de mercado só beneficiam os que os defendem. Aplicados à profissão de historiador seriam uma originalidade brasileira que não nos recomendaria perante a comunidade acadêmica internacional. "

(José Murilo de Carvalho possui graduação em Sociologia e Política pela Universidade Federal de Minas Gerais, mestrado em Ciência Política pela Stanford University, doutorado em Ciência Política pela Stanford University, pós-doutorado em História da América Latina na University of London. Foi professor da Universidade Federal de Minas Gerais, no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, e professor visitante das universidades de Stanford, California-Irvine, Notre Dame (Estados Unidos), Leiden (Holanda), London e Oxford (Inglaterra) e na École des Hautes Études en Sciences Sociales (França). Foi pesquisador da Casa de Rui Barbosa, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, e pesquisador visitante do Institute for Advanced Study de Princeton. É professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pesquisador emérito do CNPq, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Brasileira de Letras. Suas pesquisas e sua produção concentram-se na história do Brasil Império e Primeira República, com ênfase nos temas da cidadania, republicanismo e história intelectual.)

Luiz Carlos Soares

LUIZ CARLOS SOARES

"Sou a favor da regulamentação no sentido único e exclusivo de se criar uma carreira de historiador para arquivos e instituições de pesquisa e memória, visto que muitas vezes o profissional de história, nestes ambientes de trabalho, é confundido com o arquivista e o bibliotecário. O historiador não desempenha as mesmas funções destes profissionais e não pode ser confundido com eles. Quanto ao magistério de primeiro e segundo graus, chego até pensar numa inconstitucionalidade ou sobreposição do projeto de lei em pauta à LDB, que também chega a estabelecer dispositivos de orientação da atividade docente nestas esferas de ensino. Para as universidades, ou melhor, o exercício do magistério na área de história no ensino superior, este projeto de lei é simplesmente inócuo. Acho que ele tinha que se restringir àquilo que mencionei acima e não entrar em searas que levarão a conflitos com profissionais que se vinculam à História da Ciência, à História da Arte, à História da Educação, à História da Literatura, etc. O interessante nas humanidades é que elas permitem que os profissionais nelas formados possam circular pelas suas áreas e cultivar a multidisciplinaridade, apesar das suas formações acadêmicas específicas. Quando se tem uma legislação que inibe isso, estamos diante de um grande retrocesso (histórico)."

(Luiz Carlos Soares, Professor Titular de História Moderna e Contemporânea Aposentado do Departamento de História da UFF e Professor Visitante Senior do  Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia da UFRJ. Foi Secretário-Geral da Associação Nacional de História (ANPUH), na gestão 2001-2003, e Presidente desta entidade, na gestão 2003-2005. Foi Presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica (ABPHE), na gestão 1997-1999. Foi ainda Presidente na Sociedade Brasileira de História da Ciência, nas gestões 2006-2008 e 2008-2010. Recentemente, foi eleito membro do Conselho Deliberativo da Divisão de História e Filosofia da Ciência da Associação Internacional de História e Filosofia da Ciência (2013-2017). Foi Coordenador-Adjunto da Área de História da CAPES (2008-2011) e atualmente é membro do Comitê Assessor da Área de História do CNPq. (2012-2015).)   

Luiz Henrique Lopes dos Santos

LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS

"O projeto de lei 4699/2012, que regulamenta a profissão de historiador, é mais um exemplo de tentativa de burocratização corporativista das atividades culturais. Noves fora as intenções de seus defensores (do tipo de que o inferno está cheio), os termos em que o projeto está redigido são tão genéricos e vagos que acabam por conferir aos dotados de canudos em História o monopólio do tratamento intelectual de qualquer tema que envolva a história (e qual não envolve????). O item VI do artigo 4 limita aos dotados desses canudos o direito de "elaborar projetos e trabalhos sobre temas históricos". Ou seja: quando publicar meu livro sobre Leibniz, vou preso por exercício ilegal da profissão... Nesse caso, já aviso aos amigos: fumo Free maço vermelho."

(Luiz Henrique Lopes dos Santos possui graduação em Filosofia pela Universidade de São Paulo e doutorado em Filosofia pela Universidade de São Paulo. Atualmente é coordenador da revista Pesquisa FAPESP da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, professor associado da Universidade de São Paulo e coordenador das áreas de humanidades da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em História da Filosofia.)

Renato Janine Ribeiro

RENATO JANINE RIBEIRO

"Até agora, eu não tinha dado muita importância ao projeto de lei que limita a profissão de historiador a quem tem diploma (de graduação ou pós-graduação) em História. Mas li o projeto. É um absurdo. A História é uma área de conhecimento eminentemente interdisciplinar. Conhecem Georges Duby? um dos maiores historiadores que o século XX teve. Eu traduzi seu incrível "Guilherme Marechal, o melhor cavaleiro do mundo". A certa altura, diz Duby: a história das mentalidades é mais ou menos como a etnologia. Mas, segundo o projeto de lei, etnólogos não poderiam lecionar História, sequer em faculdades! Para a escola dos Annales, um dos melhores grupos de historiadores do século XX, além das mentalidades, havia que estudar curvas de preços, demografia, economia. Pois, segundo o projeto de lei, um doutor em economia ou demografia não poderá lecionar em faculdades de História. Imaginam o que vai virar um curso de História?
Há áreas em que a interdisciplinaridade é secundária ou até indesejável. Mas não é este o caso da História.
Por fazer mal ao estudo e ensino de História, o projeto de lei merece ser rejeitado."

(Renato Janine Ribeiro fez graduação em Filosofia na USP, mestrado em Filosofia pela Université Paris 1 Pantheon-Sorbonne, doutorado em Filosofia pela Universidade de São Paulo. Foi professor titular da Universidade de São Paulo, na disciplina de Ética e Filosofia Política, título que manteve após sua aposentadoria, em agosto de 2011. Recebeu o prêmio Jabuti de melhor ensaio (2001), a Ordem Nacional do Mérito Científico (1997) e a Ordem de Rio Branco (2009). Atua na área de Filosofia Política, com ênfase em teoria política. Foi Diretor de Avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Capes. É membro do Conselho Deliberativo do Instituto de Estudos Avançados da USP, e pertenceu a sua Comissão de Atividades Acadêmicas e a seu Conselho de Ética. )

Ricardo Luiz Silveira da Costa

RICARDO LUIZ SILVEIRA DA COSTA

"A História não é e nem pode ser uma exclusividade de bacharéis e licenciados. Há uma miríade de notáveis Historiadores sem diploma. O passado requer de seu arquiteto sensibilidade e compreensão, generosidade e imaginação, amplitude de espírito e intuição, qualidades que não são ensinadas, mas cultivadas na solidão da leitura, meditação e reflexão. Isso é Arte, o projeto, regulamentação da mediocridade."

(Ricardo Luiz Silveira da Costa é Mestre e Doutor em História Social pela UFF, com dois Pós-Doutorados em História Medieval e Filosofia Medieval pela Universitat Internacional de Catalunya, Barcelona. Professor Associado III do Departamento de Teoria da Arte e Música da UFES. Acadêmico Correspondente da Reial Acadèmia de Bones Lletres de Barcelona, Espanha. Sócio Titular do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Líder do Grupo de Pesquisa do CNPq "Arte, Filosofia e Literatura na Idade Média". Professor Efetivo do Programa de Doctorado Internacional Transferencias Interculturales e Históricas en la Europa Medieval Mediterránea da Facultad de Filosofía y Letras da Universitat d Alacant (UA-Espanha), dos Programas de Pós-Graduação em Filosofia (PPGFil) e Artes (PPGA) da UFES.)

Simon Schwartzman

SIMON SCHWARTZMAN

"A tentativa de ampliar o monopólio médico sobre todas as atividades relacionadas à saúde tem muito mais a ver com a  busca de reserva de mercado para os diplomados em medicina do que com os interesses da população, o que não significa, naturalmente, que os profissionais de saúde não devam ser propriamente certificados e sua atuação regulamentada, assim como a dos profissionais da engenharia ou do direito. Mas existe, no Brasil, a ideia de que a cada área de conhecimento corresponde uma profissão, uma confusão que tem causado grandes problemas, e que parece não ter fim.
Agora surge, por exemplo, a tentativa de regulamentar a  ”profissão” de historiador, como se isto existisse. [...]
Quem sabe o Congresso, alertado, não cria juízo e reverte esta tendência a aprovar este tipo de projeto, e, se isto ocorrer, a Presidência da República usa seu poder de veto, da mesma forma que vetou os artigos do ato médico?"

(Simon Schwartzman é o atual presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS) no Rio de Janeiro. Até 1988, ele foi o Presidente da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Estudou Sociologia, Ciência Política e Administração Pública na Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, (1958/1961), estudou na Escola Latino-Americana de Ciências Sociais da UNESCO (FLACSO) em Santiago do Chile (1992/1993), e obteve o seu Ph.D. em Ciências Políticas na Universidade da Califórnia, Berkeley, em 1973. Ele tem vivido no Rio de Janeiro desde 1969, trabalhando e ensinando na Fundação Getúlio Vargas e, até 1988 no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. Foi professor de Ciências Políticas nas universidades de São Paulo e Minas Gerais, foi também Pesquisador Sênior na Fundação Getúlio Vargas. Antes disso, foi diretor de pesquisas do Grupo de Pesquisas sobre Ensino Superior na Universidade de São Paulo.)

28 de agosto de 2013

Reunião no Senado Federal sobre o projeto de regulamentação da profissão de historiador (PL 4699/2013)

Para tentar chegar a uma solução sobre o projeto de regulamentação da profissão de historiador (PL 4699/2013), foi realizada no dia 21/08/2013, no Senado Federal, uma reunião com o senador Paulo Paim (autor do projeto de lei), o deputado Policarpo (relator do projeto na Câmara), o deputado Chico Alencar (também relator do projeto), com a presença de representantes de algumas das associações envolvidas na discussão do assunto.


A reunião apontou um consenso sobre a NECESSIDADE de emendas para que o Projeto de Lei possa ser aprovado pela Câmara dos Deputados.

Apresentamos abaixo um relato sobre essa reunião, redigido pelo professor Thomás A. S. Haddad, que representou a Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC) nesse encontro.

Fotografia da reunião do dia 21/08/2013
Fonte da fotografia:


Relato da reunião sobre o projeto de regulamentação da profissão de historiador

Data e local: 21 de agosto de 2013, das 16h45 às 17h45, antessala do Plenário do Senado Federal

Presentes: Senadores Paulo Paim (PT/RS) e Rodrigo Rollemberg (PSB/DF, presente apenas em pequena parte); Deputados Chico Alencar (PSOL/RJ, com dois assessores), Policarpo (PT/DF, com uma assessora) e Pedro Uczai (PT/SC); Sr. Daniel Ribeiro Lemos (assessor do Dep. André Moura, líder do PSC, originador do pedido de tramitação do PL 4699 em regime de urgência); uma assessora da Deputada Jandira Feghali (PCdoB/RJ); Rodrigo Sá Motta (UFMG, ANPUH); Alexandre Fortes (UFRRJ, ANPUH); Emerson Dionísio de Oliveira (UnB, CBHA); Vera Pugliese (UnB, representando os bacharelados em história da arte); Ildeu Moreira (UFRJ, SBPC); Beatriz Mossri (assessora parlamentar da SBPC); Thomás A. S. Haddad (USP, SBHC)

O Sen. Paim abriu a reunião com breve exposição dos motivos pelos quais apresentou o projeto original no Senado, e disse que, até a votação em fins de 2012, desconhecia as diversas críticas que foram posteriormente apresentadas, e as potenciais consequências negativas. É fundamental notar que ele não desqualificou essas críticas, e tampouco disse que elas seriam fruto de má compreensão do texto do projeto – pelo contrário, disse que as considera legítimas e pertinentes, e que as teria levado em conta se as conhecesse antes.

Senador Paulo Paim

O Dep. Chico Alencar foi o próximo a falar, explicando as razões que o levaram a obstruir a votação do projeto na Câmara em 23 de junho, pouco após a entrada em regime de urgência. Ele deixou absolutamente claro que foi uma iniciativa sua, por preocupação com a inexistência de previsão de formação obrigatória em curso de licenciatura para o magistério de história na Educação Básica. Ainda explicou que não concorda com a afirmação que tem sido feita de que isso seria um falso problema, pois a LDB já prevê essa obrigatoriedade e ela seria uma "lei maior". Ele falou explicitamente que isso não existe, e tal previsão tem de ser feita nesta lei. Tendo em vista esse posicionamento, e sua trajetória de militância política e sindical justamente na área de educação (foi professor de história no Rio), o Presidente da Câmara o designou na mesma ocasião como relator ad-hoc do projeto para o Plenário.

Deputado Chico Alencar

A seguir, o Dep. Policarpo passou a palavra para os representantes de associações presentes, na ordem em que se encontravam. Assim, o primeiro a falar foi o Prof. Rodrigo Sá Motta, presidente da ANPUH. Ele foi breve, e sua fala consistiu fundamentalmente em reiterar três pontos que já são publicamente conhecidos: primeiro, que no Brasil de hoje a ANPUH achava muito improvável a existência de historiadores que não possuam pelo menos algum diploma específico em história; segundo, o apoio total da entidade à regulamentação, vista como necessária para preservar o interesse público (sobretudo na educação básica, em que as aulas de história devem estar a cargo de professores formalmente capacitados) e o dos próprios historiadores portadores dos diplomas específicos (no sentido de tornar obrigatória sua presença em diversos cargos e instituições); terceiro, ele salientou que sua entidade está disposta a negociar emendas que aperfeiçoem o texto do projeto, desde que isso não o descaraterize nem atrase desmesuradamente a tramitação na Câmara e novamente no Senado (para onde o texto deve obrigatoriamente retornar se sofrer alterações).

Deputado Policarpo

Falaram então os Profs. Emerson Dionísio e Vera, do ponto de vista dos historiadores da arte. Ambos frisaram que a história da arte se representa, no Brasil e no mundo, como um campo autônomo, sem relação de subordinação com a história em "senso estrito". Segundo eles, em nosso País isso se verifica há muito tempo na formação em nível de pós-graduação, que é obtida, via de regra, em programas de artes visuais, e  minoritariamente de história. Quem procura esses programas vem de graduações variadas, e, novamente, os que cursaram história não são maioria. Acrescentaram que, na última década, começaram a surgir bacharelados em história da arte em diversas instituições federais e estaduais de prestígio (UnB, UNIFESP, UERJ, UFRGS etc.), baseados em departamentos novos, criados especificamente para isso, ou em departamentos de artes, mas não nos de história. Também é de notar que no CNPq e nas FAPs a história da arte está abrigada em comitês de arte, não de história. Além de lamentar o posicionamento da ANPUH em 2010, contrário à existência desses bacharelados, os professores explicaram em detalhes que sua preocupação maior é com as consequências dos incisos II a VI do artigo 4o do projeto, que reserva aos diplomados especificamente em história todas as atividades que os historiadores da arte podem e precisam realizar: pesquisas sobre "temas históricos" (da arte), organização de exposições, assessorias, laudos técnicos etc. Também se preocupam com o inciso I do mesmo artigo no que se refere ao ensino superior, pois as disciplinas que os historiadores da arte ministram são "de história", na linguagem do projeto. Ainda assim, os professores consideraram que é possível apoiar a regulamentação COM EMENDAS.

O Prof. Ildeu apresentou então o posicionamento da SBPC, conhecido publicamente através das duas manifestações da entidade emitidas em julho (uma em conjunto com a ABC, outra resultado da Assembleia Geral de Recife). Ele salientou que há muitas associações científicas federadas à SBPC que representam comunidades sobre as quais o projeto, na forma em que está, teria consequências negativas – a própria SBHC, por exemplo, mas também todos os membros de comunidades que desejarem se debruçar sobre a história de suas áreas: biólogos, físicos, matemáticos, sociólogos, antropólogos etc. Adicionalmente, a divulgação científica, que é uma bandeira fundamental da SBPC há décadas, poderia estar sob sérios riscos, pois frequentemente envolve o incurso de cientistas em terreno histórico. A posição da SBPC, se bem compreendida por este relator, é que a redação do artigo 4o é restritiva a ponto de tornar ilegal até mesmo a publicação de material de "natureza histórica" por pessoas que não tenham os diplomas exigidos. Mesmo assim, a SBPC considera que a regulamentação pode ser realizada, MAS COM EMENDAS.

Thomás A. S. Haddad

Em seguida foi exposto o posicionamento da SBHC, que já estava expresso na nossa carta de 10 de dezembro de 2012 e reiterado na de 1 de julho passado, ambas amplamente divulgadas. Esse posicionamento consiste no apoio à regulamentação, CONDICIONADO NECESSARIAMENTE À INCORPORAÇÃO DE EMENDAS. Primeiro, é necessário prever a formação em curso de licenciatura para o magistério na educação básica, mas sem esquecer de quem já é professor de história mas se licenciou, por exemplo, nos antigos cursos de Estudos Sociais. Aqui entra o segundo ponto, defendido publicamente pela SBHC desde dezembro: a lei deve incorporar um mecanismo de reconhecimento pleno, como historiador igual a qualquer outro, dos profissionais que já estão no "campo histórico", ensinando ou pesquisando, quaisquer que tenham sido suas formações pregressas. Foi ressaltado que exatamente isso ocorreu, entre outras, nas regulamentações das profissões de geógrafo, sociólogo e museólogo, que isso estava previsto nos dois projetos referentes aos historiadores que corriam na Câmara (paralelamente ao do Sen. Paim), e que fora sugerido como possibilidade pela própria ANPUH em carta assinada pelo então presidente Prof. Durval Muniz de Albuquerque. Terceiro, a SBHC não abre mão da necessidade de se reconhecer que é possível adquirir as competências profissionais necessárias ao historiador através de percursos formativos cuja existência foi ignorada: programas de pós-graduação que não são "em história", mas possuem linhas de pesquisa ou áreas de concentração compatíveis. Ficou registrado ainda que, diversamente dos colegas de história da arte ou história da educação, os historiadores da ciência recorrem ao apoio do CNPq e das FAPs em seus comitês de história, o que reforça ainda mais a necessidade de reconhecê-los plenamente como integrantes profissionais desse campo. A SBHC apoiará a tramitação do projeto se for estabelecido acordo em torno de um texto que contemple essas emendas no mínimo.

Tomou então a palavra o Prof. Alexandre Fortes, da ANPUH, que elogiou a tranquilidade com que a reunião estava ocorrendo, e expressou sua confiança na possibilidade de que as entidades presentes chegarão a um bom acordo sobre as emendas necessárias, para conjuntamente apoiar a tramitação rápida a partir dali e também conjuntamente defender a nova versão do projeto contra novas críticas que venham a surgir a partir de entidades que até hoje não se manifestaram.

O Dep. Policarpo falou a seguir, e muito brevemente explicou que considerava fundamental um acordo entre as entidades no sentido de emendar o projeto, apoiar a aprovação dessa nova versão na Câmara, e continuar apoiando quando da volta ao Senado. O Dep. Pedro Uczai tomou a palavra neste momento para dizer que não concordava, e considerava que o projeto tinha de ser aprovado na forma atual, pois qualquer emenda o descaracterizaria. Sua sugestão era estabelecer um compromisso de “aperfeiçoamento” posterior. O Sen. Paim e o Dep. Chico Alencar disseram, ato contínuo, que esse aperfeiçoamento não existe, e que a proposta da reunião não era essa, mas sim a que o Dep. Policarpo, a quem restituíram a palavra, iria fazer. Assim, o Deputado pôde fazer a proposta concreta que efetivamente motivara o convite para nosso comparecimento: dizendo textualmente que "não dá para aprovar o projeto do jeito que está", solicitou que as entidades presentes (e também a SBHE, que não pode enviar representantes, como lembrado pelo Prof. Ildeu) estabeleçam acordos em torno de emendas e as enviem a ele até o dia 30 de agosto. De posse dessas propostas, os parlamentares vão se reunir com seus assessores, para analisar a viabilidade técnica e política do que for sugerido, e novamente com as entidades. Selado definitivamente um acordo, iniciarão as articulações para aprovar o projeto emendado na Câmara e outra vez no Senado, para o que contam com o apoio de todas as entidades, não só da ANPUH. Ao final da reunião, os assessores lembraram que esse apoio é importante na tramitação legislativa e também com vistas a evitar um possível veto presidencial, que consideram altamente provável.

Thomás A. S. Haddad
28 de agosto de 2013

27 de agosto de 2013

Revista de História: Denise Bottmann critica o Projeto de Lei de regulamentação da profissão do historiador

Denise Bottmann critica o Projeto de Lei 4699/2013 de regulamentação da profissão do historiador, em uma reportagem de Ronaldo Pelli publicada na "Revista de História" no dia 26/08/2013.



Papel da discórdia
Projeto de lei sobre a profissão de historiador gera polêmica: uns reclamam da reserva de mercado, outros afirmam sua necessidade para regulamentação
Ronaldo Pelli

"Revista de História", 26/8/2013

No último dia 19, quando se comemora o Dia do Historiador, a tradutora Denise Bottmann levantou uma polêmica ao reforçar sua insatisfação com o projeto de lei que visa regulamentar a profissão de historiador. “Hoje é o dia do historiador (agradeçamos que ele ainda exista - está ameaçado de extinção em breve, com a ameaçada criação de carteirinha de historiador reservada apenas para quem tiver diploma em história)”, escreveu ela em sua conta do Facebook, à ocasião.

Antes que a acusem de se meter onde não é chamada, Denise pode comprovar que tem currículo de sobra para participar dessa discussão. Além de ter graduação, mestrado e doutorado inconcluso na área, e de ter dado aulas no departamento de História da Unicamp, também verteu para o português obras importantes para o campo, escritas por Robert Darnton, Peter Burke, Carlo Ginzburg, Hannah Arendt, Benedict Anderson, entre outros nomes ligados à historiografia. Aqui, a lista de obras traduzidas por Bottmann:

“Sou contra o projeto de lei pois ele investe contra a própria capacidade de reflexão histórica, parecendo julgar que a história consiste em três ou quatro dúzias de matérias que se cursam na graduação, parecendo ignorar que todos os campos de conhecimento desenvolvem estudos históricos dentro de suas áreas específicas e parecendo crer que ‘história’ consiste numa capacitação em se lidar com arquivos, documentos e fontes primárias”, acrescenta em entrevista à Revista de História.

O projeto, que agora carrega o número de 4699/2012, está na Câmara dos Deputados. Ali, ele terá de passar pelas comissões de Constituição e Justiça e de Cidadania; e a de Trabalho, de Administração e Serviço Público antes de enfrentar o plenário. Após esse processo, como é praxe, deve ser ainda sancionado pela presidenta Dilma Rousseff. Se tiver qualquer emenda, o projeto volta ao Congresso. 

Em seu artigo número 3, talvez o mais polêmico, a lei afirma que “o exercício da profissão de Historiador, em todo o território nacional, é privativa dos portadores” de diploma de curso de História, no Brasil ou em instituição estrangeira, com revalidação no Brasil, ou que tenha feito mestrado ou doutorado em História.

Insatisfeita, Denise replicou na rede social outros comentários sobre a lei, inclusive publicou um endereço virtual que tem como intuito discutir o projeto. No blog, é possível ver uma carta da inglesa Royal Historical Society que condena a proposta, dizendo que ela “está causando grande preocupação internacional entre os historiadores profissionais”. Para eles, a analogia com outras profissões como psicologia ou engenharia não caberia, já que a “história não é um serviço técnico, cujos limites possam ser estritamente definidos pelas instituições de ensino superior ou outras instituições certificadoras”. “Sua livre prática é vital para o funcionamento de uma sociedade livre e saudável”, escreve Peter Mandler, o presidente da instituição. 

Outras instituições estrangeiras, como a Société d’Histoire et d’Épistémologie des Sciences du Langague, além de nacionais, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Sociedade Brasileira de História da Educação, a Sociedade Brasileira de História da Ciência e o Comitê Brasileiro de História da Arte, também se posicionaram contrárias à lei.

Esse posicionamento em massa fez a Anpuh (Associação Nacional de História) lançar uma nota oficial apoiando o projeto de lei. Para a associação, “não há a intenção de garantir privilégios indevidos para ninguém, mas, valorizar a importância da formação universitária especializada para profissionais de História”. Eles também asseguram que não “existe o propósito de controlar uma área de conhecimento que todos desejam [que] seja livre”.

Segundo a Anpuh, a lei é necessária para fornecer o arcabouço legal para se poder contratar historiadores em órgãos públicos, além de normatizar o ensino de História no Ensino Fundamental e Médio por apenas profissionais de História. “A lei não prevê Conselhos profissionais nem formas parecidas e nenhuma entidade vai controlar a profissão”, atesta o comunicado, fazendo questão de deixar claro que o projeto não implica no mercado editorial. O próprio presidente da instituição, Benito Bisso, em entrevista para a Revista de História, de julho de 2013, comentou o assunto: “É uma reivindicação muito antiga, e a Anpuh está lutando por ela. Houve muito mal-entendido”.

Os argumentos da Anpuh, aparentemente, não convenceram os seus críticos. Denise Bottmann chegou a afirmar que era “vergonhoso” termos que ser “avisados” por instituições internacionais sobre a “simples e fundamental da questão”: “história não é monopólio de ninguém”.

“Parece-me igualmente vergonhoso que as principais alegações em favor desse projeto de lei excludente e exclusivista se resumam à mais despudorada tentativa de garantir uma reserva de mercado”, afirmou ela. “Ninguém, em milênios de história, jamais teve autoridade final para dizer o que é ou não é História. E não será uma arriscada aventura parlamentar que o fará.”

Denise Bottmann

26 de agosto de 2013

Historiadores divididos em relação à regulamentação da profissão - Milton Ribeiro

Milton Ribeiro, do Sul21, apresenta o debate sobre o projeto de lei de regulamentação da profissão do historiador (PL 4699/2013), citando as opiniões dos professores Francisco Marshall e  Tania Regina de Luca.



Historiadores divididos em relação à regulamentação da profissão

Data: 24/ago/2013
Milton Ribeiro

O maior especialista brasileiro em História da África negra é o diplomata Alberto da Costa e Silva. Se o atual projeto de regulamentação da profissão de historiador for implantado – o PL 4699/2012, ora em tramitação na Câmara dos Deputados (aqui, o texto completo) –, talvez Costa e Silva passe pelo constrangimento de ver alguns periódicos recusarem seus trabalhos ou de que editoras universitárias os evitem. Afinal, ele não tem formação específica na área de História. Mas não se trata de um problema restrito a Costa e Silva. As vítimas secundárias seriam todos os profissionais que ensinam, por exemplo, História da Arte, Literatura, Medicina, etc. e que têm formação em suas áreas específicas e não em História. O historiador Éder Silveira posiciona-se contra o PL opinando: “A história foi construída a partir dos empréstimos de outros campos de conhecimento. Se há uma identidade, ela está na multiplicidade, o que, além de uma característica teórica, é um elemento que deixa o projeto ainda mais bisonho”.

Alberto Costa e Silva

O PL 4699 já foi aprovado pelo Senado Federal. Tomado ao pé da letra, não seriam considerados historiadores alguns dos mais qualificados pesquisadores brasileiros, reconhecidos pela excelência de suas obras. Figuras como Boris Fausto, Evaldo Cabral de Mello, José Honório Rodrigues, Sérgio Buarque de Holanda, Pedro Calmon e Raymundo Faoro, por exemplo.

Na prática, o PL prevê a atuação de historiadores em todas as áreas que tenham relação com história, impondo uma reserva de mercado aos diplomados e condenando à clandestinidade profissional centenas de professores e investigadores que atuam na história de seu próprio campo de estudo.

Por outro lado, os defensores da regulamentação têm argumentação bem mais pastoral: o PL visaria defender professores com formação adequada no ensino fundamental, evitando aqueles que não conhecem as metologias científicas de abordagem histórica e, principalmente, o empirismo.

No último dia 19, a Associação Nacional de História (ANPUH) publicou uma moção de apoio ao PL 4699. Diz ela que a demanda por uma lei deste tipo é antiga e se apoia em dois argumentos principais: a necessidade de criar condições legais para contratação de historiadores para órgãos públicos, como arquivos, bibliotecas, museus, instituições de preservação cultural, etc; e a intenção de evitar que pessoas sem formação específica lecionem a disciplina História nos Ensinos Fundamental e Médio.

Francisco Marshall

O historiador Francisco Marshall diz que com a aprovação do PL haverá um grande número de atuações nas áreas patrimonial, de conservação e restauro, museológica, editorial e de avaliação científica, temática ou não, que seriam interditadas, tornadas exclusivas. Segundo ele, outras vítimas seriam os jornalistas: “Eles são alvos reais do projeto, declarados nas ocasiões em que os defensores argumentam. São os jornalistas que escrevem História com um sucesso inaceitável, abominável”.

Segundo Marshall, “a questão central deveria ser sobre a natureza e a potência do conhecimento histórico. Há um método que se aprende apenas tirando diploma? A posse deste método assegura grau superior e exclusivo para o exame do passado? Esta exclusividade resulta em bem social? Pode o desenvolvimento da investigação histórica ser tolhido de toda a parcela da sociedade não diplomada, e confiada a uma guilda de fornecedores do conhecimento?”.

Tania Regina de Luca

Tania Regina de Luca, vice-presidente da Associação Nacional de História (ANPUH-Brasil) defende o projeto: “O projeto é muito simples: ele regulamenta quem tem o direito de exercer a profissão de historiador. Em nenhum momento o projeto regulamenta quem vai escrever sobre história. Vou dar um exemplo: precisamos de professores para o ensino fundamental e médio no Brasil. Quem poderá dar aula no ensino fundamental e médio? Exclusivamente uma pessoa que tenha graduação, mestrado ou doutorado. No caso, o que o projeto de lei está dizendo é que para a pessoa dar aula no ensino fundamental e médio ela terá que ter tido uma formação de historiador. O que está gerando polêmica é o terceiro grau, as pessoas que dão aula de história da arte, história da matemática, história da ciência e assim por diante. Se nós tomarmos o projeto ao pé da letra, essa pessoa efetivamente não poderia dar aulas se não tivesse graduação, mestrado ou doutorado em história”.

Sobre o caso dos jornalistas que escrevem sobre história, Tania garante que não haverá nada que os impeça: “Você é um jornalista de Porto Alegre e resolve escrever a história de Porto Alegre. Isso absolutamente o projeto não vai vetar. Ele não tem nenhuma intenção de regulamentar a escrita da história. Qualquer indivíduo continuará podendo, sendo formado em qualquer coisa ou não sendo formado, escrever sobre história. Então existe um mal-entendido sobre o mercado editorial, pois em nenhum momento o projeto diz uma palavra sobre o assunto”.


Hoje, no Brasil, os professores que ministram as aulas de História da Arte, por exemplo, têm formação nos cursos superiores de Artes. Esses trânsitos indicam uma interdisciplinaridade já instalada entre diferentes áreas. Para a Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC), o entendimento é o de que a proposta não prevê com clareza casos específicos como os dos historiadores das ciências, assim como dos historiadores da educação, da arte, entre outros, que possuem nos seus quadros profissionais com larga experiência, mas sem diplomas específicos. Para a SBHC, com a nova lei, muitos deles poderão vir a ser excluídos ou prejudicados. Em carta aberta divulgada no início de julho, a entidade alega não ser contrária à regulamentação da profissão, mas que o texto do Projeto, na forma em que está, não prevê com clareza a prática da atividade. Ora ele é definido como “restritivo”, ora como “vago”.

Tania rebate: “O que nós estamos preocupados, enquanto Associação Nacional da História, é regulamentar a condição da profissão do historiador. Nós estamos preocupados em primeiro lugar com o ensino fundamental e médio e com uma série de situações concretas. Em função de não existir a regulamentação, não pode haver um concurso público, por exemplo, em órgãos públicos como um museu, um centro de documentação, um arquivo, porque não existe a profissão de historiador. Existe a profissão de bibliotecário e de arquivista. Se a prefeitura de Porto Alegre quiser abrir um concurso pra contratar historiadores para o centro de documentação que a prefeitura tem ou para um arquivo, legalmente esse concurso vai enfrentar uma série de problemas porque não existe a figura jurídica regulamentada do historiador. Essa é a nossa preocupação. Reconhecer que existe uma especificidade de formação que é ser historiador. O nó continua sendo exclusivamente no ensino superior”.


Num debate em que um lado parece não desejar ouvir o outro, a Federação de Arte Educadores do Brasil redigiu, em 4 de agosto deste ano, um manifesto em que sugere uma solução. Este afirma e propõe que “não se pode legislar em prol da unilateralidade e do confisco do direito à construção e à narração de sua própria história. Por esse motivo, propõe-se que além das qualificações já existentes para o perfil do historiador no PL 4699/2012, seja acrescentado um item com semelhante teor: “profissionais do ensino e da pesquisa dedicados à investigação histórica de sua própria área de conhecimento e atuação (arte, ciência, educação, filosofia, direito, etc.), também serão considerados historiadores nos termos da presente lei”.

Isto resolve o problema desta e outras associações, mas, ao que tudo indica, o “Ato Médico” dos historiadores ainda vai dar muito pano para manga.

Fonte

24 de agosto de 2013

"Que história é essa?" Projeto de regulamentação da profissão de historiador é acusado de promover monopólio corporativo

Matéria publicada no "Jornal da Ciência" no dia 20/08/2013 discute os problemas do Projeto de Lei 4699/2012 sobre a regulamentação da profissão de historiador.


Que história é essa?
Projeto de regulamentação da profissão de historiador é acusado de promover monopólio corporativo. Seus defensores querem que alterações sejam feitas depois da aprovação
(Mario Nicoll e Edna Ferreira)

Ilustração publicada no Jornal da Ciência

As críticas ao Projeto de Lei 4.699/12, que regulamenta a profissão de historiador, ganharam essa semana reforço de três importantes instituições internacionais. O Comitê Executivo da Sociedade de História da Ciência (History of Science Society), a Sociedade de História e Epistemologia das Ciências da Linguagem (Société d'Histoire et d'Épistémologie des Sciences du Langage) e a Real Sociedade Histórica (Royal Historical Society) divulgaram manifestos em apoio a diversas sociedades científicas e associações profissionais brasileiras que já haviam se posicionado contra a aprovação do projeto.

Apontada como arbitrária e excludente, a proposta é também acusada de promover um monopólio corporativo. Os defensores das novas regras, no entanto, consideram as críticas injustas e propõem que as alterações sejam apresentadas depois de sua aprovação. No Brasil, já se manifestaram contra as novas regras a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciências (ABC), o Comitê Brasileiro de História da Arte, a Sociedade Brasileira de História da Educação e a Sociedade Brasileira de História da Ciência.

O projeto de lei ganha cada vez mais opositores porque estabelece que apenas portadores do diploma de história - graduação ou pós-graduação - poderão dar aulas de história, em qualquer nível. Também seriam de sua exclusiva competência as tarefas de organizar informações para publicações, exposições e eventos, bem como elaborar pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos sobre temas históricos.

Existem, entretanto, diversas áreas de pesquisa e ensino como história da ciência, da medicina, da física, do direito, da arte, da filosofia, da literatura, da educação e história militar, entre várias outras, que são desenvolvidas por profissionais de outras áreas. Com esse entendimento, a SBPC e a ABC encaminharam, no dia 10 de julho, carta aos deputados federais solicitando que a tramitação fosse interrompida. A proposta das entidades é de que se promovam amplos debates e audiências públicas com toda a sociedade brasileira. De acordo com o documento, o projeto poderá trazer sérios prejuízos ao Brasil e ao ensino superior de inúmeras disciplinas.

Procurada pela reportagem do Jornal da Ciência, a diretoria da Associação Nacional dos Professores Universitários de História (Anpuh), se manifestou por e-mail. A associação considera as críticas injustas e se defende afirmado que o intuito das normas não é restringir ou controlar uma área de conhecimento, mas apostar na valorização dos cursos universitários específicos para formação de historiadores. A alegação é de que o projeto de lei já foi amplamente discutido entre os historiadores, inclusive junto aos historiadores da educação, da ciência, da arte, entre outras áreas específicas, muitos deles, segundo a diretoria, sócios da Anpuh-Brasil.

"A diretoria da Anpuh entende que algumas iniciativas para aperfeiçoar a lei podem ser apresentadas, mas depois da sua aprovação, para que não se percam os esforços despendidos até agora" diz a mensagem encaminhada ao Jornal da Ciência.

A entidade avalia que existe uma incompreensão quanto ao projeto: a regulamentação incide sobre o ofício e não sobre os seus resultados - ele não define como trabalhos historiográficos apenas aqueles produzidos pelos profissionais. O projeto de lei regula o exercício da profissão, vinculando-a à formação específica. Ele não regula o juízo acadêmico sobre obras, argumentos, reflexões e posicionamentos acadêmicos.

Diante da polêmica, o autor da proposta, senador Paulo Paim (PT-RS), argumenta que em nenhum momento foi proposto que historiadores profissionais tenham exclusividade na formulação e divulgação de narrativas históricas. "Defendemos sim que os professores de história realizem alguma etapa de sua formação em história (na graduação ou na pós-graduação), já que acreditamos que nossos alunos do ensino básico devem ter o direito de aprender com docentes qualificados e possuidores de conhecimentos e habilidades específicas nas áreas que lecionam", defende.

Ilustração publicada no Jornal da Ciência

Manifestos nacionais e internacionais 
De acordo com carta aberta divulgada no dia 14 de agosto pela Royal Historical Society, a história não é um serviço técnico, cujos limites possam ser estritamente definidos pelas instituições de ensino superior ou outras instituições certificadoras. "É um empreendimento crítico, avaliativo, interpretativo. Sua livre prática é vital para o funcionamento de uma sociedade livre e saudável", avalia a principal associação da Grã-Bretanha dedicada à promoção e defesa do estudo acadêmico do passado.

O Comitê Executivo da Sociedade de História da Ciência (History of Science Society - HSS), a maior e mais antiga sociedade do mundo dedicada à história da ciência e suas relações sociais e culturais, também se manifestou. De acordo com o texto divulgado, o comitê compreende a intenção de tal lei - manter os altos padrões da profissão do historiador - mas acredita que ela terá um impacto negativo no ensino da história da ciência. "Negar aos historiadores da ciência com educação formal fora da história a mesma condição e oportunidades daqueles que possuem diplomas em história faria a história da ciência retroceder, tanto no Brasil quanto internacionalmente.", diz o texto.

Outra manifestação internacional foi feita pela Sociedade de História e Epistemologia das Ciências da Linguagem (S.H.E.S.L. - Société d'Histoire et d'Épistémologie des Sciences du Langage), que conta com pesquisadores de 24 países diferentes. A sociedade divulgou no dia 10 de agosto, em Paris, um texto no qual pede a anulação do projeto.

A Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) considera a proposta arbitrária. De acordo com o manifesto, ao fixar a titulação em história como condição sine qua non para o exercício do ofício de historiador, a proposta nega aos educadores por titulação a possibilidade da narrativa da sua própria história, a partir de temas e questões que afetam a área e também as suas vidas.

Para a Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC) a proposta não prevê com clareza casos específicos como os dos historiadores das ciências, assim como dos historiadores da educação, da arte, entre outros, que possuem entre seus quadros, profissionais com larga experiência, mas sem diplomas específicos.

O Comitê Brasileiro de História da Arte (CBHA) também se posicionou sobre o assunto. A entidade está recolhendo assinaturas para um abaixo-assinado que pede a revisão imediata do projeto de lei. O comitê também encaminhou carta aos deputados federais com críticas à proposta, onde afirma que o projeto de lei viola os direitos de grande número de cidadãos brasileiros e não pode ser aprovado. O texto pede reflexões cuidadosas dos deputados e pede apoio para que sejam feitas emendas ao projeto.

(Mario Nicoll e Edna Ferreira / Jornal da Ciência)

Esta matéria está na página 4 do Jornal da Ciência impresso que pode ser acessado pelo endereço http://www.jornaldaciencia.org.br/impresso/JC743.pdf
Jornal da Ciência, vol. 27, n. 743, 16 de agosto de 2013

O mesmo texto está também disponível no JC e-mail 4794, de 20 de Agosto de 2013.


23 de agosto de 2013

Sugestão de Emenda Substitutiva ao Projeto de Lei 4699/2012 sobre a regulamentação da profissão de Historiador

Existe atualmente um impasse em relação ao Projeto de Lei 4699/2012 sobre a regulamentação da profissão de Historiador, que tem sido fortemente criticado por diversas entidades e associações do Brasil e do exterior. Apresentamos aqui uma sugestão para superar esse impasse e aprovar uma nova formulação desse Projeto de Lei, que poderá atender a todos os interessados. 

   

Esta proposta preliminar está aberta a críticas e sugestões de mudanças, evidentemente, mas é um primeiro passo na tentativa de gerar um acordo.



Sugestão de emenda substitutiva ao Projeto de Lei 4699/2012 sobre a regulamentação da profissão de Historiador

Um recente posicionamento da Diretoria da Associação Nacional de História (ANPUH) pode abrir o caminho para resolver o atual impasse relativo ao Projeto de Lei 4699/2012 sobre a regulamentação da profissão de Historiador.

Como é de conhecimento geral e tem sido amplamente noticiado neste blog, diversas associações e entidades nacionais e internacionais têm criticado o aspecto extremamente restritivo do PL 4699/2012. Esse Projeto de Lei é considerado corporativista e acusado de tentar estabelecer uma reserva de mercado para os portadores de diploma em História. Vários importantes historiadores também têm se posicionado contra essa proposta. Veja as várias postagens deste blog, e também o texto atual do Projeto de Lei.

Se for aprovado com sua forma atual, o referido Projeto de Lei tornará todas as atividades relativas aos estudos históricos privativas dos portadores de diplomas em história (Artigos 3, 5 e 7). Dessa forma, o Projeto de Lei, em sua forma atual, proíbe qualquer pessoa sem diploma em história de exercer uma ampla gama de atividades (Artigo 4) que inclui, entre outras coisas:

a) magistério de História, em todos os níveis – fundamental, médio, superior (Art. 4, alínea I), o que inclui não apenas o ensino das disciplinas de História Antiga, História do Brasil, etc., mas também História da Filosofia, História da Arte, História da Biologia, História da Imprensa, História da Educação e qualquer outra disciplina histórica;

b) organização de informações para publicações sobre temas de História (Art. 4, alínea II), o que significa que pessoas sem diploma em história não podem mais publicar sobre qualquer assunto histórico (incluindo biografias históricas, história política recente, história da computação, história da literatura, etc.) em jornais, revistas ou livros;

c) organização de informações para exposições e eventos sobre temas de História (Art. 4, alínea II), o que significa que apenas diplomados em história poderão participar (como coordenadores ou apresentadores) de tais exposições e eventos, sobre qualquer tema histórico (incluindo história das telecomunicações, história da música, história militar, história da matemática, etc.);

d) elaboração de pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos sobre temas históricos (Art. 4, alínea VI), o que significa que pessoas sem diploma em história não poderão fazer projetos nem trabalhos sobre qualquer tema histórico, ficando portanto proibidos de se dedicar à pesquisa dos mesmos. 

Essas e outras restrições previstas no Projeto de Lei 4699/2012 são consideradas inaceitáveis, por muitas associações e outras entidades do Brasil e do exterior, por limitarem a liberdade de pensamento e expressão (ver itens “b” e “d” acima), por confundirem a posse de um diploma com a competência como historiador, e por não levarem em conta que os cursos de história não proporcionam formação nas diversas áreas de história do conhecimento humano (história da arte, do direito, da filosofia, da astronomia, da medicina, da literatura, etc.), o que faz com que os diplomados em história não possuam capacitação para ministrar disciplinas ou fazer pesquisa e publicar sobre esses assuntos. 

Temos agora um fato novo:


A Diretoria da Associação Nacional de História (ANPUH) divulgou recentemente (19/08/2013) um novo documento a respeito do Projeto de Lei 4699/2012 que propõe a regulamentação da profissão de Historiador – documento que será encaminhado em breve à Câmara dos Deputados, com um abaixo assinado de seus associados. 

Confrontando o documento da diretoria da ANPUH com o texto do referido Projeto de Lei, torna-se claro que a proposta de legislação não está de acordo com as intenções da ANPUH – o que é mais um argumento para submetê-la a emendas profundas.

A diretoria da ANPUH afirma que a proposta tem dois objetivos:

“A demanda por uma lei deste tipo é antiga e se justifica com base em dois argumentos principais: a necessidade de criar condições legais para contratação de historiadores em órgãos públicos, como arquivos, bibliotecas, museus, instituições de preservação cultural etc; e a intenção de evitar que pessoas sem formação específica lecionem a disciplina História no Ensino Fundamental e Médio.”

Conforme mostrado adiante, o primeiro objetivo pode ser atingido com uma proposta muito mais simples e menos restritiva do que o atual Projeto de Lei 4699/2012; além disso, o texto atual do referido PL está em conflito com o segundo objetivo. Portanto, é necessário e urgente que essa proposta de legislação seja corrigida, sob o ponto de vista das ideias apresentadas pela Diretoria da ANPUH.

É necessário notar que os dois objetivos citados se referem a pessoas com formações distintas. O trabalho em arquivos, bibliotecas, museus e instituições de preservação cultural poderia ser desenvolvido por pessoas com formação de bacharelado em história, ou com mestrado ou doutorado em história, mas NÃO por licenciados em história, cuja formação específica os qualifica apenas para o ensino Fundamental e Médio; e vice-versa, o ensino de História no ensino Fundamental e Médio deve ser exercido por pessoas com formação pedagógica proporcionada por um curso de Licenciatura, e NÃO por bacharéis ou mestres e doutores em história que não tenham essa formação pedagógica, de acordo com a legislação educacional existente. Isso mostra claramente que o projeto de lei está mal estruturado, pois viola as normas educacionais brasileiras além de misturar e confundir os dois tipos de formações e de atividades, que não são distinguidos em nenhuma parte do PL. 

No mesmo documento acima mencionado, a Diretoria da ANPUH afirma:

“Tampouco existe o propósito de controlar uma área de conhecimento que todos desejam seja livre e, muito menos, nós historiadores profissionais – principais interessados em garantir a liberdade – pretenderíamos o contrário.”

Portanto, a ANPUH também não defende a aprovação de um Projeto de Lei com texto restritivo, como a atual proposta de legislação, que torna todas as atividades relativas aos estudos históricos privativas dos portadores de diplomas em história.

Desta forma, apresentamos uma sugestão de Emenda Substitutiva que, se for apoiada, poderá ao mesmo tempo satisfazer os propósitos defendidos pela ANPUH e atender às demandas de todas as outras entidades e associações que têm criticado o Projeto de Lei 4699/2012, garantindo a liberdade de realização de atividades históricas. 

Roberto de Andrade Martins



Projeto de Lei 4699/2012 sobre a regulamentação da profissão de historiador 

Emenda Substitutiva

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º Esta Lei regulamenta a profissão de historiador e dá outras providências.

Art. 2º É livre o exercício da atividade de historiador.

Art. 3º O ensino de História nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio será exercido preferencialmente por licenciados em História.

Art. 4º Ao portador de diploma de bacharel, mestre ou doutor em história é permitido registrar-se como historiador na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do local onde o profissional irá atuar.
Parágrafo único. Também é permitido o registro como historiador de pessoas que, embora não possuindo os diplomas indicados no caput deste artigo, comprovem o desempenho de atividades de historiador, descritas no Art. 5º, por um período total de pelo menos 4 (quatro) anos. 

Art. 5º Sem exclusão de outros profissionais, e respeitadas as exigências adicionais que podem ser estabelecidas em cada situação, os historiadores poderão desempenhar atividades de: 
I – magistério de História nos estabelecimentos de ensino superior;
II – organização de informações para publicações, exposições e eventos sobre temas de História;
III – planejamento, organização, implantação e direção de serviços de pesquisa histórica;
IV – assessoramento, organização, implantação e direção de serviços de documentação e informação histórica;
V – assessoramento voltado à avaliação e seleção de documentos, para fins de preservação;
VI – elaboração de pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos sobre temas históricos.

Art. 6º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

"Memória como reserva de mercado", por Pádua Fernandes (artigos de 2010 a 2012)

Muito antes da aprovação do Projeto de Lei 4699/2012 pelo Senado Federal (novembro de 2012), o escritor Pádua Fernandes divulgou no seu blog " O Palco e o Mundo" uma série de críticas muito lúcidas à proposta de regulamentação da profissão de historiador. 

   

Reproduzimos abaixo essa série de postagens, indicando suas datas respectivas. Como o texto foi escrito antes da aprovação do projeto pelo Senado, é mencionada a numeração antiga do projeto de lei: Projeto de Lei do Senado (PSL) 368/2009.


Pádua Fernandes



Memória como reserva de mercado, parte I
(19 de agosto de 2010)
Pádua Fernandes

Ainda tramita no Senado Federal o projeto de lei PLS 368/2009, que pode ser visto aqui:

TEXTO FINAL APROVADO PELA COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS
PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 368, DE 2009

Regula o exercício da profissão de historiador e dá outras providências.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º Esta Lei regula a profissão de historiador, estabelece os requisitos para o exercício da atividade profissional e determina o registro em órgão competente.
Art. 2º É livre o exercício da atividade profissional de historiador, desde que atendidas as qualificações e exigências estabelecidas nesta Lei.
Art. 3º O exercício da profissão de historiador, em todo o território nacional, é privativo dos portadores de:
I – diploma de curso superior em História, expedido por instituições regulares de ensino;
II – diploma de curso superior em História, expedido por instituições estrangeiras e revalidado no Brasil, de acordo com a legislação;
III – diploma de mestrado, ou doutorado, em História, expedido por instituições regulares de ensino superior, ou por instituições estrangeiras e revalidado no Brasil, de acordo com a legislação.
Art. 4º São atribuições dos historiadores:
I – magistério da disciplina de História nos estabelecimentos de ensino fundamental, médio e superior;
II – organização de informações para publicações, exposições e eventos em empresas, museus, editoras, produtoras de vídeo e de CD-ROM, ou emissoras de televisão, sobre temas de História;
III – planejamento, organização, implantação e direção de serviços de pesquisa histórica;
IV – assessoramento, organização, implantação e direção de serviços de documentação e informação histórica;
V – assessoramento voltado à avaliação e seleção de documentos, para fins de preservação;
VI – elaboração de pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos sobre temas históricos.
Art. 5º Para o provimento e exercício de cargos, funções ou empregos de historiador, é obrigatória a apresentação de diploma nos termos do art. 3º desta Lei.
Art. 6º As entidades que prestam serviços em História manterão, em seu quadro de pessoal ou em regime de contrato para prestação de serviços, historiadores legalmente habilitados.
Art. 7º O exercício da profissão de historiador requer prévio registro na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do local onde o profissional irá atuar.
Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Poderia, no entanto, este projeto criar hipóteses abusivas de atribuições exclusivas dos portadores de diploma em História? Estar-se-ia criando uma reserva de mercado para a memória? Trata-se de algo a discutir.


http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2010/08/memoria-como-reserva-de-mercado-parte.html

Memória como reserva de mercado, parte II
(22 de agosto de 2010)
Pádua Fernandes

O projeto de lei PLS 308/2009, sobre que já escrevi aqui: 
prevê, no artigo 4o., VI, combinado com o artigo seguinte, a "elaboração de pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos sobre temas históricos" como competência exclusiva dos portadores de diploma, seja de graduação, de mestrado, ou de doutorado (mas não apenas pós-graduação lato sensu) em História.

O que, no entanto, pode ser visto como "tema histórico"? Algum fato social pode ficar de fora de tão larga categoria? Algum produto da cultura - e, nisso, a própria teoria histórica?

Em princípio, não. A amplitude do projeto á avassaladora.

Como se constituem os "temas históricos" a que alude o projeto? Por meio de um olhar diacrônico sobre os temas sociais. Trata-se de um trabalho que se constrói sobre fontes. Lembremos de Adam Schaff em História e Verdade (obra que a Martins Fontes publicou em 1995, em tradução de Maria Paula Duarte):

"No seu trabalho, o historiador não parte dos fatos, mas dos materiais históricos, das fontes, no sentido mais extenso deste termo, com a ajuda dos quais constrói o que chamamos os fatos históricos. [...] Assim, a despeito das aparências e das convicções correntes, os fatos históricos não são um ponto de partida, mas um fim, um resultado."

Esse resultado parte de materiais que são estudados também por outras disciplinas - não se trata de tijolos já marcados para construção do cenotáfio da "ciência histórica"! Pergunto, portanto: terão os outros saberes que se inclinar diante dos portadores daqueles diplomas para poderem olhar diacronicamente seus objetos?
Ou melhor, já que a questão é menos epistemológica do que de oportunidades profissionais, pergunto: os laudos sobre história da arte somente deverão ser elaborados por tais portadores, não por artistas ou críticos de arte? Projetos sobre história da filosofia deverão ser monopólio daqueles portadores, e não daqueles que estudam filosofia sem tal crachá acadêmico? Um parecer de história do direito somente deverá ser escrito por um portador daquele diploma, mesmo que não saiba, por exemplo, a diferença entre direito subjetivo e direito objetivo?

Uma objeção prática ao projeto pode ser construída a partir da noção de que, que em vários temas, o portador do diploma em História não é aquele que terá condições de escrever a melhor história, por falta do instrumental teórico de outros saberes.

E, mesmo que ele fosse o mais apto a escrever sobre os "temas históricos", na amplidão pretendida, faria sentido dar-lhe o monopólio dessa escrita? Em nome de que ética estabelecer-se-ia o monopólio desse reduzido grupo social sobre a construção da identidade da própria sociedade?



Memória como reserva de mercado, parte III
(6 de setembro de 2010)
Pádua Fernandes

O projeto de lei PLS 308/2009, sobre que comecei a escrever aqui:
tem, entre suas previsões, uma cláusula Escrava Isaura:

Art. 4º São atribuições dos historiadores:
[...]
II – organização de informações para publicações, exposições e eventos em empresas, museus, editoras, produtoras de vídeo e de CD-ROM, ou emissoras de televisão, sobre temas de História;

A cândida e genérica expressão "temas históricos" faz logo imaginar uma carreira televisiva para estes que a lei chama de historiadores, carreira que transbordará também para a ficção: não existem as telenovelas históricas? Escrava Isaura não é o maior sucesso de exportação na balança comercial da tevê brasileira? 

Os escritores desse gênero deverão ampliar sua equipe para incluir os portadores de diploma em História (o que não é o mesmo que historiador - trata-se de outro erro básico do projeto) por força do artigo quinto do projeto, que torna a atividade acima privativa dessa categoria.

A cláusula Escrava Isaura deste projeto de lei (se ele for aprovado) será um grande trampolim para a globalização da classe dos portadores de diploma em História brasileiros!



Memória como reserva de mercado, parte IV:
Guias turísticos com diploma
(3 de março de 2011)
Pádua Fernandes

O projeto que deseja regulamentar a profissão de historiador, Projeto de Lei do Senado nº 368, continua em trâmite em Comissões do Senado.

A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania aprovou em dois de março de 2011 o parecer do Senador Flexa Ribeiro, 
que lembra que a justificativa do autor do projeto, Senador Paulo Paim, era 

"[...] a ampliação da área de atuação dos historiadores inicialmente restrita à pedagogia, a questões culturais e ao patrimônio histórico. Hoje esses profissionais atuam, entre outras áreas, no âmbito industrial, na consultoria relativa ao histórico de produtos; no turismo, desenvolvendo roteiros turísticos para visitas a locais históricos e culturais; na comunicação, recolhendo e organizando informações para publicação e produções e nas artes, fazendo pesquisa de época para elaboração de roteiros teatrais, cinematográficos e televisivos."

Eles podem atuar nessas áreas, certamente; mas por que somente eles deveriam nelas trabalhar? Trata-se da criação da reserva de mercado, almejada pelo malfadado projeto.

Praticando a difícil arte de não conseguir tirar consequências lógicas dos fundamentos expostos, o Senador Flexa Ribeiro prossegue:

"A doutrina constitucional e trabalhista defende a não ingerência excessiva do legislador no exercício das profissões. Regras excessivas e restrições insensatas acabam beneficiando pequenos grupos corporativos que acabam supervalorizando o próprio trabalho em relação ao trabalho de igual valor de outros profissionais. São consideradas exceções as atividades que envolvem a saúde, a segurança e a educação dos cidadãos. Nesses casos, a omissão do legislador pode permitir que pessoas inabilitadas, no exercício profissional, coloquem em risco valores, objetos ou pessoas."

Que relação tem isto com o turismo, o desenvolvimento de produtos e as telenovelas? Disso, o Senador conclui:

"No caso dos historiadores é inegável que eles exercem um papel relevante na sociedade, com impactos culturais e educativos capazes de ensejar a presença de normas regulamentadoras do exercício profissional. Ademais, a inexistência de uma regulamentação pode permitir que o campo de atividade desses profissionais seja ocupado por pessoas de outras áreas, muitas delas, com profissões regulamentadas, mas sem as qualificações necessárias para levar a bom termo o trabalho com objetos e assuntos históricos."

Apenas este parágrafo. Um só. É claro que, se o nobre Senador fosse escrever mais e fazer realmente alguma análise da matéria que lhe coube relatar, a conclusão teria que ser contrária. É notável a ligeireza no trato da Constituição (em uma comissão, nota-se, dedicada ao direito constitucional), mas é comum que, no Poder Legislativo, os pareceres sejam sumários a esse pronto, de tão concentrado e conciso é o respeito à constitucionalidade.

Eu havia escrito sobre a atuação dos historiadores como consultores dos meios de comunicação, mas a Comissão foi favorável a retirar a expressão, nos termos da emenda do Senador Álvaro Dias, "em empresas, museus, editoras, produtoras de vídeo e de CD-ROM, ou emissoras de Televisão" do inciso II artigo quarto do projeto porque "excessivamente detalhista e enumeratório, o que depõe contra a generalidade, clareza e precisão da norma." Terá sido caso do lobby das tevês?

O sumário parecer do Senador Cristovam Buarque
(na Comissão de Assuntos Sociais, que não deliberou ainda) também segue a emenda para, "retirar elementos que poderiam, no futuro, impedir os historiadores de exercer plenamente suas atribuições, razão pela qual deve ser acatada." Isto é, não limitar a campo algum essa reserva.

Falta ainda aprovação nas Comissões de Assuntos Sociais e de Educação. Depois, se isso ocorrer, ainda terá que seguir à Câmara dos Deputados.

Por que esse monstrengo regulatório não deve ser aprovado? Deve-se lembrar que tudo que tem natureza social possui caráter histórico. A amplitude do projeto em criar reserva de mercado para os diplomados em história é tamanha que poderá fazer com que os doutores em letras, na área de concentração de teoria e história da literatura, sejam impedidos de lecionar história da literatura por não terem feito o doutorado em história. Um doutor em artes não poderia, por exemplo, dar consultoria sozinho para uma exposição sobre o surrealismo; teria que pedir para um formado qualquer em história assinar com ele o trabalho. E assim por diante.

Outro elemento risível dos pareceres do Legislativo é apontar que haveria um dano ao país se pessoas não formadas em história atuassem nessa área. Isso é fundamental porque, sem afirmar tal enormidade, ter-se-ia que reconhecer que o projeto é inconstitucional, já que o princípio geral é o da liberdade de profissão.

Pergunto, portanto: que prejuízos nos causou Evaldo Cabral de Mello, que nunca concluiu um curso de graduação? Que historiador diplomado no Brasil é melhor do que ele? Que danos ao nosso país provocou Alberto da Costa e Silva? 

Será que os historiadores que inspiraram esse projeto estão simplesmente querendo eliminar a concorrência de profissionais mais capazes? Conseguindo, com uma canetada legislativa, impedir que outros possam vasculhar o campo comum da memória? E existem ladrões maiores do que aqueles que se apossam do comum?

Os doutos legisladores que estão aprovando em comissões o projeto simplesmente ignoram que significativa parte da melhor história no país não é ou não foi feita por diplomados nessa área?

Esse projeto não está realmente preocupado nem um pouco com a qualidade da história no Brasil, e sim com a reserva de mercado, que vai se meter até com os profissionais de turismo - já que até mesmo a elaboração de guias turísticos precisarão da consultoria de diplomados em história...

A profunda ignorância na matéria, claro, é o que habilita os nobres legisladores a aprovarem projetos corporativos como esse. Com tal natureza corporativa, poderia não ser nocivo ao bem comum?



http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/11/memoria-como-reserva-de-mercado-v.html

Memória como reserva de mercado, parte V:
Astros e historiadores
(20 de novembro de 2012)
Pádua Fernandes

O projeto de reserva de mercado para os historiadores com diploma em história, que nasceu da pena do senador Paulo Paim (PT/RS), foi aprovado no último 7 de novembro:
http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=92804 
Segue para a Câmara dos Deputados, onde espero que seja rejeitado.

O Senado Federal teve outros episódios recentes de hostilidade contra a História, como este caso clamoroso de esquecimento politicamente interessado realizado por Sarney e historiadores amigos do poeta e político:
http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2011/06/jose-sarney-ou-o-esquecimento-como.html

Mencionei o projeto pela última vez nesta nota:
http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/08/policia-do-pensamento-e-reserva-de.html
[esta postagem está também reproduzida aqui, mais abaixo]

"A incapacidade de pensar o país (ou de pensar tout court) é, provavelmente, um dos fatores que fazem com que o Congresso Nacional esteja se dedicando mais a atender grupos de interesses do que a vislumbrar horizontes mais largos. A amnésia militante do projeto de reserva de mercado para os historiadores é um exemplo [...]
"Esse tipo de medida legislativa é exemplar do modus operandi da classe política no Brasil: criar barreiras e impedimentos. O Brasil continua a ser uma grande fazenda improdutiva em que políticos querem criar seus currais e colocar porteiras. Cartórios, depois, registram as apropriações."

A aprovação marcou-se, como já fiz notar, por pareceres de ligeireza absurda, que logo assinalam o desprestígio da educação na classe política brasileira - o que inclui o tão raso documento assinado por Cristovam Buarque:
http://www6.senado.gov.br/mate-pdf/70453.pdf
Não se trata de matéria que tenha realmente merecido alguma reflexão de tais excelências, com exceção dos dois senadores que votaram contra o projeto, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB/SP) e Pedro Taques (PDT/MT).

A Folha de S.Paulo publicou matéria de Fernando Rodrigues, em 10 de novembro, criticando a aprovação, o que logo gerou singular resposta da ANPUH:
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/fernandorodrigues/1183568-historiador-so-com-diploma.shtml
http://www.anpuh.org/informativo/view?ID_INFORMATIVO=3607

A Associação, muito em conformidade com o espírito do projeto, começa a resposta com o discurso da autoridade: eles, que são "historiadores profissionais", sabem, e o pobre Fernando Rodrigues, não. Ele não teria sido capaz de analisar o projeto, já que não saberia elaborar um "discurso de prova". E mais: "Em nenhum momento este projeto veda que pessoas com outras formações, ou sem formação alguma, escrevam sobre o passado e elaborem narrativas históricas." Assina a nota o presidente da ANPUH, Benito Bisso Schmidt, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Essa nota involuntariamente atesta como a pesquisa histórica não deve, de forma alguma, tornar-se monopólio dos historiadores com o diploma do artigo terceiro do projeto, já que nem mesmo o presidente da Associação Nacional mostra-se capaz de ler corretamente um documento legislativo, embora a redação final do projeto não apresente muita sutileza:
http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=116414&tp=1

Art. 1º Esta Lei regulamenta a profissão de historiador, estabelece os requisitos para o exercício da atividade profissional e determina o registro em órgão competente.
Art. 2º É livre o exercício da atividade profissional de historiador, desde que atendidas as qualificações e exigências estabelecidas nesta Lei.
Art. 3º O exercício da profissão de historiador, em todo o território nacional, é privativo dos portadores de:
I – diploma de curso superior em História, expedido por instituição regular de ensino;
II – diploma de curso superior em História, expedido por instituição estrangeira e revalidado no Brasil, de acordo com a legislação;
III – diploma de mestrado ou doutorado em História, expedido por instituição regular de ensino superior, ou por instituição estrangeira e revalidado no Brasil, de acordo com a legislação.
Art. 4º São atribuições dos historiadores:
I – magistério da disciplina de História nos estabelecimentos de ensino fundamental, médio e superior;
II – organização de informações para publicações, exposições e eventos sobre temas de História;
III – planejamento, organização, implantação e direção de serviços de pesquisa histórica;
IV – assessoramento, organização, implantação e direção de serviços de documentação e informação histórica;
V – assessoramento voltado à avaliação e seleção de documentos, para fins de preservação;
VI – elaboração de pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos sobre temas históricos.
Art. 5º Para o provimento e exercício de cargos, funções ou empregos de historiador, é obrigatória a apresentação de diploma nos termos do art. 3º desta Lei.
Art. 6º As entidades que prestam serviços em História manterão, em seu quadro de pessoal ou em regime de contrato para prestação de serviços, historiadores legalmente habilitados.
Art. 7º O exercício da profissão de historiador requer prévio registro na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do local onde o profissional irá atuar.
Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

O artigo 5º, ao contrário do que faz supor a frágil hermenêutica da ANPUH, garante a reserva de mercado, a ser cartorialmente fiscalizada segundo o artigo 7º. Logo, a História da Arte tornar-se-á feudo exclusivo de pesquisadores com diploma em História. A História do Direito submeter-se-á ao cercamento dessas mesmas pessoas, mesmo que desconheçam a diferença entre lei extravagante e legisladores extravagantes, como nossos excelentíssimos senadores. A História da Música não poderá ser ensinada pelos professores de Música, e sim por historiadores diplomados que talvez não saibam distinguir um intervalo de segunda menor de um de terça maior. História da Matemática, idem, mesmo que o historiador saiba somar tão bem quanto o pessoal da ANPUH sabe interpretar projetos de lei.

Tendo em vista a historicidade de tudo que é social, a vastidão de possibilidades profissionais sugeridas por essa excrescência legislativa, ainda no estado de projeto, atordoa.

O senador Aloysio Nunes Ferreira levantou o problema:
http://www6.senado.gov.br/diarios/BuscaDiario?tipDiario=1&datDiario=08/11/2012&paginaDireta=59522

Considero, Sr. Presidente, com todo o respeito, que o projeto incorre num profundo equívoco, na medida em que torna privativo daqueles que concluíram o curso de História na universidade lecionar em matérias que tratem de história.
Darei um exemplo a V. Exª dos absurdos que essa situação pode criar. Por exemplo, num curso de história se faz apelo a um estatístico para tratar de algum aspecto sobre a disciplina. Não pode. Por quê? Porque o estatístico não é formado em História, logo não pode dar curso de história, não pode lecionar num curso de história se este projeto for aprovado. Nem graduação nem pós-graduação.
Imagine V. Exª um curso de pós-graduação em História. Há o interesse de se ouvir um sociólogo, um economista ou um jurista para ministrar um aspecto particular daquele curso de pós-graduação. Não pode. Por quê? Porque não são formados em História, logo
não pode dar aulas em curso de História. Quer dizer, é uma coisa completamente absurda, penso eu.
O Evaldo Cabral de Mello talvez não pudesse dar aula. Não sei se ele é formado em História. Alberto da Costa e Silva, o grande historiador das relações do Brasil com a África, um dos maiores historiadores vivos do Brasil, escreveu um livro magnífico: Um Rio Chamado Atlântico, que resgata as raízes africanas do Brasil, não pode dar aula de história da África. Por quê? Porque ele é diplomata. Ele se formou pelo curso do Itamaraty.
Sr. Presidente, estamos caminhando para a república corporativa do Brasil. Essa que é a verdade. Corporação atrás de corporação exige o seu nichozinho de atividade exclusiva em prejuízo, por exemplo, da universalidade do conhecimento.

Nenhum debate saiu disso. A indigência intelectual do Congresso foi reiterada pela senadora Ana Amélia (PP/RS), que, ao retrucar, simplesmente leu dois parágrafos do parecer de Flexa Ribeiro (PSDB/PA) cuja inconsistência já ataquei neste blogue.

É claro que, tendo em vista a Constituição da República e a jurisprudência do Supremo Tribunal  Federal sobre liberdade profissional, o projeto não poderia prosperar. No entanto, tendo em vista o diminuto compromisso com a constitucionalidade mostrado pelo Congresso Nacional, que já aprovou reserva de mercado para manicures, é possível até que mais esta aberração legislativa seja criada.
http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/08/policia-do-pensamento-e-reserva-de.html

Trata-se de uma aberração de ordem jurídica, mas também teórica: epistemologicamente, a história não pode ser considerada um condomínio fechado. Deveriam poder pesquisá-la e lecioná-la todos os pesquisadores de áreas correlatas. Ademais, mesmo levando em consideração que há historiadores sem diploma em histórias, outras disciplinas também produzem saberes sobre o passado, e "Dizer o que foi não é monopólio dos historiadores", como lembra este professor aos vinte minutos deste vídeo:
http://www.youtube.com/watch?v=m3h2m5l3Bcg

Essa radical recusa à interdisciplinaridade com a política de porteiras trancadas da ANPUH não seria um retorno a uma epistemologia oitocentista? Se o fato histórico é uma construção que depende, entre outros fatores, das perguntas postas pelo historiador, impedir que outros profissionais, que não os do artigo terceiro do projeto, possam exercer as funções do artigo quarto significa um fechamento de horizontes na produção do conhecimento histórico. O caráter autoritário do fetiche do diploma da ANPUH desnuda-se nesse ponto.

Nem mesmo o Estatuto da ANPUH parece-me corroborar o obscurantismo corporativista da Associação:
http://www.anpuh.org/estatuto

ARTIGO 5º - A ANPUH tem por objeto a proteção, o aperfeiçoamento, o fomento, o estímulo e o desenvolvimento do ensino de História em seus diversos níveis, da pesquisa histórica e das demais atividades relacionadas ao ofício do historiador.
Parágrafo primeiro - No cumprimento de seus objetivos, a ANPUH poderá por si ou em cooperação com terceiros:
(a) Desenvolver o estudo, a pesquisa e a divulgação do conhecimento histórico;
(b) Promover a defesa das fontes e manifestações culturais de interesse dos estudos históricos;
(c) Promover a defesa do livre exercício das atividades dos profissionais de História;

O "livre exercício" está sendo traído pela própria política da ANPUH. A não ser que se redefina "profissional de História" como somente aquele que atende ao artigo terceiro do projeto de lei do senador Paim. Porém, se houver essa redefinição, teremos um exercício privativo, e não "livre".

O vídeo que acima indiquei deixa bem claro que a preocupação da ANPUH se trata antes de ocupação de espaços de poder do que de alguma coerência teórica. A partir dos 26 minutos, o professor menciona tarefas que devem ser feitas depois da suposta aprovação do projeto: "quais seriam as particularidades do ato histórico por analogia ao ato médico", e como "fiscalizar" os outros profissionais que se ocupam do passado.

Por fim, os astros: a economista Renata Lins enviou-me um quadro comparativo sobre antigos projetos para regulamentação da profissão de astrólogo,  que já previam a terceirização das estrelas e planetas (com o astrólogo pessoa jurídica).
http://www.constelar.com.br/revista/edicao49/projetoslei.htm
No entanto, não se previu reserva de mercado, o que punha esses projetos anos-luz, em termos políticos e também epistemológicos, à frente do que a ANPUH pretende.

P.S.: Idelber Avelar chamou-me a atenção para esta afirmação no twitter:
https://twitter.com/perhappiness/status/271088997667856384
O presidente da ANPUH cita esse autor...

P.S. 2: Para quem não entendeu como é que eu, formado em Direito, posso não ter este afeto triste pelas regulamentações, já tratei um pouco da questão aqui:
http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/01/quem-domina-teoria-e-quem-domina-o.html

Pádua Fernandes

OBSERVAÇÃO: O texto seguinte menciona apenas de passagem a questão do projeto de lei de regulamentação da profissão do historiador, mas complementa as postagens apresentadas acima.


http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/08/policia-do-pensamento-e-reserva-de.html

Polícia do pensamento e reserva de mercado:
de jornalistas a pedicures
(8 de agosto de 2012)
Pádua Fernandes

A incapacidade de pensar o país (ou de pensar tout court) é, provavelmente, um dos fatores que fazem com que o Congresso Nacional esteja se dedicando mais a atender grupos de interesses do que a vislumbrar horizontes mais largos. A amnésia militante do projeto de reserva de mercado para os historiadores é um exemplo sobre que já escrevi:
Memória como reserva de mercado, parte II
Memória como reserva de mercado, parte III
Memória como reserva de mercado, parte IV
[ver as postagens acima]

Esse tipo de medida legislativa é exemplar do modus operandi da classe política no Brasil: criar barreiras e impedimentos. O Brasil continua a ser uma grande fazenda improdutiva em que políticos querem criar seus currais e colocar porteiras. Cartórios, depois, registram as apropriações. O cartório, por sinal, é uma instituição paradigmática desse procedimento, pois é, ele mesmo, uma apropriação indevida do que é público.

Trata-se de uma conduta bem oficial. O atual ministro do trabalho, Brizola Neto, foi autor de um projeto de lei que tinha como fim regulamentar a profissão de DJ, para que só os que fizessem os cursos profissionalizantes pudessem trabalhar...

Tal proposta não seguiu adiante, e sim a do falecido senador e delegado do DOPS/SP Romeu Tuma (note-se a semelhança entre certos políticos profissionais da direita e da esquerda nesses assuntos).  No entanto, o então presidente Lula acertadamente vetou o projeto aprovado pelo Congresso Nacional, amparado no parecer da Advocacia-Geral da União, elaborado por Erico Ferrari Nogueira, que bem sustentou que "a proposição implica em reserva de mercado, sendo desprovido de razoabilidade estabelecer restrição à liberdade de exercício profissional nessa hipótese."

O infame Ato Médico, que deseja subordinar as diversas profissões da saúde aos portadores de diploma em medicina, é outra medida perigosa em gestão naquelas duas casas legislativas. Aconselho a leitura do blogue Não ao ato médico, que explica as entranhas do ataque do corporativismo médico contra a saúde no Brasil.

Historiadores, DJs, médicos - e os jornalistas? O Supremo Tribunal Federal já decidiu, na mesma linha da interpretação da Corte Interamericana de Direitos Humanos a respeito do Pacto de São José da Costa Rica, que exigir diploma para a profissão de jornalista viola a liberdade de expressão. Qual a resposta parlamentar àquela decisão judicial? Em uma iniciativa contra os direitos humanos, o senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) apresentou projeto para restringir aquela liberdade. Sessenta senadores votaram a favor da restrição de um direito fundamental em prol do corporativismo de uma categoria profissional, o que mais uma vez demonstra o escasso compromisso tanto da direita quanto da esquerda profissionais com os direitos humanos.

Na notícia veiculada pelo Senado, lemos que o senador Magno Malta (PR-ES), conhecido por suas iniciativas contra a educação laica, e cuja dedicação à moralidade pública é amplamente conhecida, afirmou que o diploma significa a premiação do "esforço do estudo".

O estudo foi impedido? Alguns, menos inteligentes ou com menos boa-fé, preferiram ignorar que a decisão do STF não proibiu a existência de faculdades de jornalismo, e sim que passar por elas não é necessário. É evidente que as boas faculdades continuarão existindo, pois sua qualidade fará com que sejam procuradas. A politicamente poderosa indústria do ensino superior é que sairá perdendo, pois as faculdades em que não é necessário estudar para passar perderão a clientela forçada.

A exigência do diploma serviria para proteger os jornalistas contra as grandes empresas do ramo? Se isso fosse verdade, não teriam ocorrido abusos quando a exigência inconstitucionalmente estava em vigor. Maíra Kubík Mano, a quem muito respeito, lembrou que o projeto, na verdade, passa ao largo dos graves problemas que essa categoria de profissionais vem passando, e um deles é a fraude ao direito trabalhista realizada pelos conglomerados de comunicação:

"É impossível trabalhar como jornalista e não saber que o processo de “pejotização”, ou seja, de pagamento via Pessoa Jurídica, sem contrato formal de trabalho via CLT, é uma realidade terrível. Só que para se resolver isso não é preciso ter 100% dos jornalistas diplomados, e sim encarar as empresas de comunicação de frente."

Outro desafio seria regular os meios de comunicação, o que contrariaria os interesses das poucas famílias que os dominam no Brasil, bem como dos políticos que dominam as transmissoras e repetidoras por meio das concessões realizadas ao arrepio da Constituição da República. Este Congresso Nacional não está à altura da tarefa, ao que parece.

Ademais, a reserva de mercado atenderia os interesses das grandes empresas, ameaçadas pela mudança na economia da informação proporcionadas pela internet. Alexandre Haubrich assim entende, percebendo a exigência corporativa como uma restrição à cidadania, e essa restrição é favorável aos grandes meios de comunicação: "a exigência de diploma para ser admitido como jornalista é retrógrada e fora da realidade, servindo apenas como reserva de mercado nas grandes empresas de comunicação e como forma de exclusão que logo será atropelada pelo grande campo de inclusão que é a internet."

Li alhures que a obrigatoriedade de diploma se justificaria na cobrança de "responsabilidade social de quem informa". Essa posição repugna pelo indisfarçável elitismo. Não é vergonhoso pressupor que pessoas sem diploma não têm "responsabilidade social"? E que o diploma confere magicamente ética a seu portador? Maíra Kubík também discute esse preconceito, que é uma cândida forma de absolver as elites... Uma das pessoas que conheci que tinha mais consciência de responsabilidade social era catador de papel e iletrado, Severino Manoel de Souza.

Depois de termos tido um presidente sem diploma algum senão o de posse, e que não foi exatamente um fracasso político, é surpreendente ver o fetiche do diploma, na mais arcaica tradição do bacharelismo, ecoar até na boca e no teclado de pessoas que se consideram de esquerda.

Historiadores, DJs, médicos, jornalistas - por que não filósofos? O deputado federal Giovani Cherini (PDT/RS, que também deseja regulamentar a profissão de "naturólogo", deixando-a privativa para aqueles que detenham o diploma de naturologia, e fundou a Universidade dos Líderes, apresentou projeto para regulamentar a profissão de filósofo, que merece ser transcrito pela modesta técnica legislativa e pela singeleza argumentativa da fundamentação, que provavelmente o deputado julgou adequada à matéria que quer regular:

PROJETO DE LEI Nº, DE 2011 
(Do Sr. Giovani Cherini) 
Dispõe sobre o Exercício da Profissão de Filósofo e dá outras providências. 
O Congresso Nacional decreta: 
Art. 1º - O exercício, no País, da profissão de Filósofo, observadas as condições de habilitação e as demais exigências legais, é assegurado: 
a) aos bacharéis em Filosofia, diplomados por estabelecimentos de ensino superior, oficiais ou reconhecidos; 
b) aos diplomados em curso similar no exterior, após a revalidação do diploma, de acordo com a legislação em vigor; 
c) aos licenciados em Filosofia, com licenciatura plena, realizada até a data da publicação desta Lei, em estabelecimentos de ensino superior, oficiais ou reconhecidos; 
d) aos mestres ou doutores em Filosofia, diplomados até a data da publicação desta Lei, por estabelecimentos de pós-graduação, oficiais ou reconhecidos. 
e) aos que, embora não diplomados nos termos das alíneas a, b, c e d, venham exercendo efetivamente, há mais de 5 (cinco) anos, atividade de Filósofo, até a data da publicação desta Lei. 
f) aos membros titulares da Academia Brasileira de Filosofia e aos por ela diplomados em cursos de graduação bacharelado e licenciatura, mestrado e doutorado. 
Art. 2º - É da competência do Filósofo: 
I - elaborar, supervisionar, orientar, coordenar, planejar, programar, implantar, controlar, dirigir, executar, analisar ou avaliar estudos, trabalhos, pesquisas, planos, programas e projetos atinentes à Filosofia, Pensamento e Ideias em geral e suas obras; 
Il - ensinar Filosofia, Pensamento e Ideias, nos estabelecimentos de ensino, desde que cumpridas as exigências legais; 
III - assessorar e prestar consultoria a empresas, órgãos da administração pública direta ou indireta, entidades e associações, assim como a pessoas físicas, relativamente à Filosofia, Pensamento e Ideias em geral e suas obras; 
IV - participar da elaboração, supervisão, orientação, coordenação, planejamento, programação, implantação, direção, controle, execução, análise ou avaliação de qualquer estudo, trabalho, pesquisa, plano, programa ou projeto global, regional ou setorial, atinente à Filosofia, Pensamento e Ideias em geral e suas obras; 
Art. 3º - Os órgãos públicos da administração direta ou indireta ou as entidades privadas, quando encarregados da elaboração e execução de planos, estudos, programas e projetos socioeconômicos ao nível global, regional ou setorial, manterão, em caráter permanente, ou enquanto perdurar a referida atividade, Filósofos legalmente habilitados, em seu quadro de pessoal, ou em regime de contrato para prestação de serviços. 
Art. 4º - As atividades de Filósofo serão exercidas na forma de contrato de trabalho, regido pela Consolidação das Leis do trabalho, em regime do Estatuto dos Servidores Públicos, ou como atividade autônoma. 
Art. 5º - Admitir-se-á, igualmente, a formação de empresas ou entidades de prestação de serviço previstos nesta Lei, desde que as mesmas mantenham Filósofo como responsável técnico e não cometam atividades privativas de Filósofo a pessoas não habilitadas. 
Art. 6º - O exercício da profissão de Filósofo requer prévio registro no órgão competente do Ministério do Trabalho, e se fará mediante a apresentação de: 
I - documento comprobatório de conclusão dos cursos ou diplomas previstos nas alíneas a, b, c, d, e, f do art.1º, ou a comprovação de que vem exercendo a profissão, na forma da alínea e do art. 1º; 
II - carteira profissional. 
Parágrafo único. Para os casos de profissionais incluídos na alínea e do art. 1º, a regulamentação desta Lei disporá sobre os meios e modos da devida comprovação, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, a partir da data da respectiva publicação. 
Art. 7º - A Academia Brasileira de Filosofia, com sede na cidade do Rio de Janeiro, é a representante da filosofia e língua filosófica nacionais. 
Art. 8º - O Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo de 60 (sessenta) dias. 
Art. 9º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação. 
Art. 10º - Revogam-se as disposições em contrário. 
Sala das Sessões, em de setembro de 2011. 
Deputado Giovani Cherini 
JUSTIFICATIVA 
A profissão de filósofo, uma das atividades mais importantes para nosso país, face sua evidente vinculação à preservação e expansão do pensamento e das ideias em território nacional, ainda não foi disciplinada 
em nosso país. De fato, tal situação gera irreparáveis danos à constituição e robustecimento do pensamento filosófico no Brasil e, mais ainda, a sua correta difusão para as gerações vindouras. 
Assim, parece-nos evidente que o Estado pode e deve agir no sentido de regular o exercício da profissão de Filósofo no País, estipulando as condições de habilitação e as exigências legais para o regular exercício da mesma, além de seu âmbito de competência. Tal medida é de suma importância, pois se de um lado retirará do mercado de trabalho as pessoas não habilitadas, de outro presta justo reconhecimento do Estado a esta milenar profissão; em benefício de toda a sociedade brasileira Academia. 
Ademais, tal proposição prevê o registro dos profissionais junto ao Ministério do Trabalho e Emprego, o que evitará eventuais precarizações das relações de trabalho. Por fim, o presente Projeto de Lei dá o devido reconhecimento à Academia Brasileira de Filosofia, entidade declarada de utilidade pública federal que reúne os grandes filósofos brasileiros, como o repositório do pensamento filosófico nacional.

O deputado federal Efraim Filho (DEM-PB) requereu a realização de audiência pública para discutir o projeto sobre a "profissão milenar", tendo em vista a ameaça à liberdade de pensamento. O requerimento foi aprovado em nove de maio deste ano. Creio que ela ainda não se realizou.

Espanta, no meio de tanta matéria para o pasmo e o horror, o destaque dado no projeto à Academia Brasileira de Filosofia, que conta, entre seus cinquenta e cinco luminares, com nomes tocados por Minerva como Merval Pereira, um dos autores que ela compartilha com a Academia Brasileira de Letras. Por sinal, seguindo a tradição aduladora das academias nacionais, a ABF reconheceu recentemente os talentos filosóficos de Michel Temer, atual vice-presidente.

A ABF teve a ideia de etiquetar livros de Heidegger para advertir o leitor de seu conteúdo.

Aqui, como em outros casos - a reserva de mercado para historiadores e para jornalistas bem o ilustra - desvela-se um desejo de fundar uma polícia do pensamento, para que na esfera pública só possam circular ideias devidamente diplomadas e etiquetadas. É provável que Romeu Tuma votasse a favor do projeto de Cherini, se ainda vivesse.

Historiadores, DJs, médicos, jornalistas, filósofos - seguindo a mesma lógica, por que não cabeleireiros, barbeiros, esteticistas, manicures, pedicures, depiladores e maquiadores? Os congressistas, de fato, resolveram exigir diploma para tanto... Somente tesouras diplomadas devem cortar cabelo? Serão elas mais afiadas?

Esse projeto aprovado pela atual legislatura tornou-se a  lei n 12.592, de 18 de janeiro de 2012, e foi vetado parcialmente pela presidenta Dilma Rousseff, com toda razão. Mais um inegável sinal de que os congressistas querem, policialescamente, controlar tanto o que está dentro das cabeças quanto o que está fora delas.

P.S.: Em relação à teoria do direito, também escrevi uma nota sobre "polícia do pensamento", "Quem domina teoria e quem domina o direito?", em comentário a considerações de Abel Barros Baptista.