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30 de setembro de 2013

Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) rejeita as propostas de emenda ao PL 4699/2012 defendidas pela ANPUH e pela SBHC

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) rejeitou as propostas de emenda ao Projeto de Lei 4699/2012 (regulamentação da profissão de historiador) defendidas pela Associação Nacional de História (ANPUH) e pela Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC).


A professora Helena Nader, presidente da SBPC, enviou no dia 30/09 correspondência ao Congresso Nacional, na qual afirma:

"[...] estamos encaminhando o posicionamento da SBPC contrário à aprovação do PL 4699/2012 ora em discussão na Câmara Federal. Para a nossa entidade, também as propostas substitutivas feitas pela ANPUH e SBHC não respondem adequadamente às preocupações externadas em manifestações anteriores da SBPC e de outras entidades e instituições e nos posicionamos contra sua aprovação."

Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência

São Paulo, 30 de setembro de 2013
SBPC-114/Dir.

Excelentíssimo Senhor
Deputado POLICARPO FAGUNDES

Senhor Deputado,

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) manifestou-se anteriormente, por meio de sua diretoria e de sua Assembleia Geral, contrariamente à aprovação do PL 4699/2012, que regulamenta a profissão de historiador e que estava para ser votado no Congresso Nacional. Juntamente com outras entidades científicas e acadêmicas buscou, na sequência, estabelecer um processo de discussão com os parlamentares e entre as entidades científicas envolvidas. A partir de uma reunião no Senado Federal, na qual estavam presentes o senador Paulo Paim, o deputado Chico Alencar e Vossa Senhoria, além das principais entidades envolvidas, ficou acertado que seriam feitas tentativas entre as entidades para se chegar a uma proposta substitutiva comum.

A SBPC tomou a iniciativa de convidar, então, as diversas entidades para uma reunião em sua sede, em São Paulo, com o propósito de buscar o pretendido entendimento.  A reunião foi realizada, com a participação das entidades mencionadas, e possibilitou, de fato, que surgissem duas propostas alternativas: uma da Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC) e outra pela Associação Nacional de História (ANPUH), que aceitou introduzir algumas modificações na proposta original do PL 4699/2012. No entanto, permaneceram divergências importantes.

Como não houve uma proposta substitutiva aceita por todas as entidades, resolveu-se proceder a novas consultas junto às direções das entidades. Neste sentido a SBPC realizou uma consulta a toda sua direção e ao seu Conselho, indicando as propostas novas que surgiram (da SBHC e da ANPUH), além da proposta original do PL 4699/2012 e da proposta da Associação de Filosofia e História da Ciência do Cone Sul (AFHIC) de rejeição do PL 4699/2012. Nesta consulta, estes órgãos de direção da SBPC se posicionaram unanimemente contra a aprovação do PL 4699/2012 na sua formulação original.  Em relação às duas propostas modificadoras surgidas, a alternativa elaborada inicialmente pela SBHC e a nova versão proposta pela ANPUH, a Diretoria e o Conselho da SBPC entenderam, por maioria ampla, que elas também não atendem às preocupações externadas anteriormente pela SBPC, por outras entidades científicas e acadêmicas e por muitos historiadores e pesquisadores, sobre o caráter muito restritivo do PL 4699/2012 em seus artigos 3, 4 e 5.

Em função disto, estamos encaminhando-lhe o posicionamento da SBPC contrário à aprovação do PL 4699/2012 ora em discussão na Câmara Federal. Para a nossa entidade, também as propostas substitutivas feitas pela ANPUH e SBHC não respondem adequadamente às preocupações externadas em manifestações anteriores da SBPC e de outras entidades e instituições e nos posicionamos contra sua aprovação. É importante que o Congresso Nacional dê prosseguimento ao processo de discussão ampla com as sociedades cientificas, órgãos governamentais e instituições de ensino e pesquisa das áreas envolvidas para o estabelecimento de uma legislação adequada, buscando construir alternativas que definam e garantam direitos profissionais, mas que não resultem em sérios prejuízos à educação, à pesquisa e à cultura no Brasil.

Atenciosamente,

HELENA B. NADER
Presidente da SBPC


Ver também esta postagem, que contém as cartas enviadas pela SBPC em formato PDF:
http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=89622

29 de setembro de 2013

Comentários de Bruno Flávio Lontra Fagundes sobre o Projeto de Lei 4699/2012

O professor Bruno Flávio Lontra Fagundes, doutor em História pela UFMG, tem participado da discussão virtual a respeito do Projeto de Lei sobre regulamentação da profissão do historiador (PL 4699/2012) - por exemplo, no site Café História. Ele apresenta aqui algumas considerações sobre esse tema, abordando um aspecto pouco discutido: a formação que os historiadores devem ter, para poderem contribuir em outras áreas, além do ensino formal e da pesquisa.



Bruno Flávio Lontra Fagundes
(Professor do Curso de História – UNESPAR – Campus de Campo Mourão/PR)

O PL da profissão de historiador e as propostas de mestrado profissional em História são sintomáticos de um processo, a meu ver, que vem de mais longe, e que, agora, sofre questionamentos naturais em sociedades que se transformam. Esse processo remonta ao tempo de institucionalização da História como disciplina acadêmica no Brasil. Em regra, primeiramente cursos de formação de professores, depois pesquisadores... e agora, numa sociedade que não aceita ver suas memórias e lembranças desprezadas? Com o tempo a História foi se mostrando criteriosa e construtora de um conhecimento sobre o passado que não se confunde com lembrança do passado. Lembrar não é conhecer! Os objetos da História estão enraizados na própria relação que estabelece com aqueles que a consomem. Essa relação durante décadas não havia sido questionada. Agora está. Não isentos de questionamentos, o PL da regulamentação e os mestrados profissionais encarnam demandas de um tempo transformado que requer de nós, historiadores, pensar em rever o que já nos garantiu, de algum modo, prestígio público e hoje já não nos garante muita coisa. Numa sociedade onde na escola há boas iniciativas – mas isoladas – com relação à matéria História, onde ela “não faz sentido”, acrescida da profusão de memórias muito esquentadas pelas mídias, nesse contexto, historiadores – generalizo – se vêem meio que “perdidos”, substituídos. Alunos neófitos chegados à academia histórica hesitam abandoná-la, porque ela não só promete muito pouco em oportunidade de trabalho, como também pouco seduz, talvez até porque promete pouco. Como a História disciplina pode ser desejada num contexto de inflação de memória? Não é questão de “atender demandas” como se cursos fossem “balcão de negócios” – não é essa a única maneira de equacionar o que seriam essas “demandas sociais por história”. Mas demandas por horizontalidade na abordagem de questões da realidade histórica que podem ser informadas pelo que surja do debate com e da participação na sociedade. Não só acatar demandas, mas influir sobre elas, de modo que possam gerar lugares novos de trabalho que se somem à tradicional ocupação docente. E sem perder a “criticidade”, esse quase-slogan do empenho profissional do historiador. Se não sabemos dizer exatamente como fazer isso, a meu ver o PL da regulamentação é iniciativa meio que desesperada de colegas que sabem que precisam fazer algo, mas que, ainda não sabendo como, expelem no mundo iniciativas esperando “ver no que vai dar”. Pessoalmente tenho muitas reservas ao projeto de regulamentação, mas o apóio porque é uma atitude.

No entanto, no Brasil há cursos de História em vários lugares com realidades muito diferentes, com distribuição de recursos desigual, cursos pequenos, sem prestígio, mas que nunca conseguem dar suas soluções próprias, pois sempre pautados pelo princípio hegemônico que identifica qualidade com pesquisa acadêmica restritivamente, o que constrange quase tudo a ela, inibindo parte da finalidade dos cursos com, por exemplo, mais genericamente falando, “projetos de educação para a História” – onde há pesquisa, sempre, mas não a pesquisa como um fim em si mesmo, mas pesquisa como meio. Trucidados por imposições diárias de produtividade, a pesquisa acadêmica com um fim em si mesma força os profissionais a se dedicarem a ela com quase exclusividade, e uma vez na pós-graduação, só há tempo para ela. Com o critério soberano da pesquisa acadêmica, vão sendo inibidos, por exemplo, projetos de extensão, há décadas reduzidos a “cursos de reciclagem” de professores do ensino médio. Desenvolver bons projetos na graduação – com Ensino e Extensão, por exemplo, onde se pode desenvolver uma expertise – é muito arriscado, porque as exigências ligadas à pesquisa acadêmica são draconianas. Quando colegas enfiados em cursos noutras realidades precisam estruturar um curso novo, quase sempre só conseguem ter a cabeça na pesquisa e na pós-graduação, reproduzindo um padrão de curso que, a meu ver, necessita ser, senão revisto, combinado com outros padrões. Aí, a velha história: a graduação, lugar onde boas iniciativas podem ser desenvolvidas e serem valorosas, fica desprezada, praticamente se limitando a preparar alunos para a seleção da pós-graduação.


Porque o sistema forçou criar um padrão de apuração da qualidade desconsiderando várias realidades do país onde há cursos de História variados com possibilidades de atuação também variadas. A realidade mudou, mas nossos cursos de História permanecem! Se o PL da regulamentação e os mestrados profissionais forçarem um movimento de revisão de nossos cursos, excessivamente cativos da pesquisa acadêmica strictu sensu, já terá sido bom: o historiador não é mais apenas professor, ele pode trabalhar com memória e museus, bens culturais e patrimônio, assessorias e consultorias em turismo, memória e patrimônio, mídias, arte e cultura etc. Qual de nossos cursos ajuda na formação para isso? Isso tem um custo não baixo. Colegas ligados a núcleos regionais de ensino no Paraná, onde sou professor, chegam a dizer, depois de conhecerem o mercado de trabalho em escolas da rede pública, que mudanças urgentes são “questão de sobrevivência” de cursos. Essa versão pode ser um pouco “narrada no modo trágico”. A pergunta que nos inquieta a cada vestibular é: “foram quantos candidatos para História?” Depois, começado o curso, começa a refrega diária para que alunos não abandonem o curso no meio do caminho! Há cursos de História em cidades brasileiras do interior onde prefeituras devolvem rubricas orçamentárias por falta de projetos - inclusive na área de memória e patrimônio – porque faltam profissionais para fazê-los. Faltam profissionais para fazer projetos de memória e patrimônio em cidades que têm cursos de História! Criticáveis ou não, o PL e os mestrados profissionais – mais o PL – atacam isso: formar para trabalhar, lugar para trabalhar! J Malerba questiona se novos cursos precisam ser acadêmicos, Keyla Grinberg sugere a inoperância – palavra minha – de nossos cursos para formar novas linhagens – palavra minha - de historiadores, Luciano Figueiredo fez já considerações de um mercado de caráter jornalístico para historiadores em revistas de História criteriosas vendidas em bancas de jornal. É limitador esperar trabalhar junto à sociedade em atuações restritivamente acadêmicas pela prática docente. Há cursos e cursos de História no Brasil e sua grande maioria não tem nem de longe o perfil dos cursos federais de História localizados em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre etc., onde o aluno tem como expectativa maior ser pós-graduado. Se quiser ensino, que vá para as FAEs, ou se quiser qualquer outra coisa mais, que faça autodidatamente!

Quando cursos de História querem combinar pesquisa, extensão, ensino, o que ajuíza de sua intenção é, sobremaneira, a pesquisa acadêmica, reproduzindo uma hierarquia institucional que alimenta o status quo intra-universitário! Há depoimentos de professores que reclamam de alunos que querem mudar do PIBID para o PIBIC porque “dá mais prestígio”. É de trabalho para formados em História de que se trata, repito! O PL está longe de ser ideal, mas é, bem ou mal, uma atitude, e os mestrados profissionais vêm para cobrir uma falta de formação para outras atuações! Não vivemos mais o tempo em que cursos viviam da mística do intelectual guia da sociedade, padrão de crítica e de criticidade. A sociedade, bem ou mal, está politizada, e quer ser sujeito social de fato. Se nossos cursos fossem mais permeáveis a demandas de história/memória que andam por aí, talvez não houvesse necessidades de PL e nem de mestrados profissionais. Há iniciativas importantes. O departamento de História da UFPR abriu, em 2009, um curso de bacharelado noturno em História - Memória e Imagens, de 4 anos.  Garantida a formação consistente de parte da grade curricular do curso acadêmico, desde o primeiro período o aluno trabalha com a vertente da imagem, vídeos, etc. e/ou da memória, museus, casas de memória etc., e no terceiro ano faz a opção definitiva por "habilitações” que os encaminham para oficinas de produção de sites, video-documentários, exposições, etc. Vão fazer formação prática para tentar trabalho no mercado de vídeo e de instituições de patrimônio histórico com o conhecimento que podem oferecer. O curso de História da UFRN fez parceria com a TV Universitária: quando, para matérias e/ou programas da grade de programação, precisarem de alguma pesquisa histórica, recrutem alunos do curso de História para fazerem-na. É outro tabu: por que não discutirmos um “lado prático da História”?! “O que fazer com História depois de formado?”, pergunta-se, parafraseando o "para que serve a História?" de Marc Bloch. Aliás, quase nenhum de nós conseguiu convincentemente responder a essa pergunta até hoje!


É preciso ter pesquisa acadêmica, é preciso ter a avaliação dos pares, mas não só: é preciso abrir para o diálogo com os não-formados em História baseado – aceitemos ou não – na ideia de que eles também podem “fazer história”. E fazem de fato e não há motivos para estarmos afastados de seus juízos e do diálogo com eles. Há bastante, mui-tos, a maioria talvez de alunos que não vai se formar para ser pós-graduado ou irem para o mercado docente de nível superior. Nosso padrão de curso é meio esquizofrênico, deslocado da realidade da grande maioria do país e alheio a outras oportunidades de atuação. Se nossos cursos e critérios de julgamento se renovassem, creio que muitos outros cursos seriam valorizados. Se do PL e de outras atitudes vierem outras atitudes, já terá valido bastante . Não sabemos convencer senão a nós mesmos. A bola da vez é o “diálogo social”, como foi o slogan da última ANPUH. Por ele talvez possamos encontrar junto à sociedade legitimidade, importância e reconhecimento de nosso valor profissional que nos faça ser desejados. Não é de se supor que na sociedade só existam sujei-tos avessos a argumentos, ponderações e versões do passado que os historiadores têm a oferecer. Porque se certos usos do passado são condenáveis, também o é uma recusa de participar em razão de justificativas virtuosas da ciência e do cuidado metodológico, que, no fundo, podem ser argumento de salvaguarda de lugares e posições sociais em nome de uma “autonomia” muitas vezes apanágio de privilégios. Porque o argumento de colegas que alegam corporativismo e criação de uma casta com o PL é meia verdade. Casta e corporativismo já existem na academia. Não é fazer diálogo social que ponha em risco o “dever de memória” ou endossem os usos do passado que promovem inverdades ou mistificações memorialistas da sociedade em benefício de interesses particularistas excludentes. Não! Mas diálogo que seja de igual para igual, por meio de participação diversa na sociedade, onde profissionais de História se empenhem em se mostrarem, convencerem sujeitos com suas versões e narrativas do passado. Como toda política, em certas horas perderá, em outras vencerá. Diálogo, trabalho e participação social. Embora armem historiadores com material para isso, nossos cursos favorecem muito pouco essa ida ao diálogo e à participação. Essa é que é a verdade!


Sobre o autor:
Bruno Flávio Lontra Fagundes, bacharel e licenciado em História, 1988, mestre em Estudos Literários, 2000, doutor em História, 2010, pela Universidade Federal de Minas Gerais. Tem experiência na área de História em diferentes atuações, como planejamento e organização de arquivos privados, assessoramento a políticas de patrimônio histórico-cultural, participação em edição crítica de textos históricos, ensino de História de nível médio e superior, assessoria/consultoria/pesquisa para reforma de exposições permanentes de museus e centros de cultura, pesquisa autônoma, micro-empresa na área de Memória, divulgação de conhecimento histórico. Atualmente é professor adjunto do curso de História da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), campus de Campo Mourão (PR). 

25 de setembro de 2013

Entrevista de Roberto de Andrade Martins sobre o Projeto de Lei 4699/2012 de regulamentação da profissão de historiador (dia 15/08/2013)

Abaixo transcrevemos entrevista concedida por Roberto de Andrade Martins, através de e-mail, a Sérgio Campos Gonçalves, Doutorando em História pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP), campus de Franca. A entrevista, com data de 15 de agosto de 2013, deveria ser publicada, mas não o foi. Fica aqui o seu registro.


"Estou lutando pelo direito de outras pessoas que queiram se dedicar seriamente à pesquisa e ao ensino de História e que não possuem nem querem ter um diploma em História."

Roberto de Andrade Martins

Sérgio Campos Gonçalves (SCG) - Qual sua visão sobre o projeto de profissionalização? Com quais pontos do projeto concorda, se é que concorda com algum, e quais são os mais problemáticos, em sua opinião?

Roberto de Andrade Martins (RAM) - Concordo que os historiadores têm o direito de contar com uma legislação que regulamente a profissão de historiador. Mas não concordo com a forma da atual proposta. Minha visão é que o projeto foi mal redigido. Pessoas que defendem o Projeto de Lei 4699/2012 sobre a profissão do historiador, como os membros da Diretoria da ANPUH, afirmam que o objetivo dessa proposta é apenas delimitar quem poderia ser chamado "historiador"; e que não há a intenção de proibir ninguém de se dedicar à história. Não é isso o que o texto do projeto de lei afirma. Ele restringe o exercício das atividades de historiador aos portadores de diploma em História; e apresenta uma enorme lista de prerrogativas exclusivas dos portadores de diploma em História, tais como "elaboração de pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos sobre temas históricos". Ou seja: apenas portadores de diploma em História podem elaborar trabalhos sobre temas históricos - sem exceção. Da forma como foi redigido, o projeto de lei é extremamente restritivo. Para corresponder àquilo que a Diretoria da ANPUH apregoa, ele precisaria ser completamente reformulado. Poderia, por exemplo, adquirir uma forma semelhante à Lei nº 12.592, de 18 de janeiro de 2012, que dispõe sobre a profissão de Cabeleireiro, Barbeiro, Esteticista, Manicure, Pedicure, Depilador e Maquiador, a qual não estabelece nenhuma proibição ao exercício dessas atividades. 


Em minha opinião, os pontos mais problemáticos do projeto de lei são os seguintes: 

(1) Ele não diferencia entre licenciados e bacharéis, violando assim a legislação educacional brasileira, que permite apenas aos licenciados (que possuem formação pedagógica) o exercício do magistério nos níveis fundamental e médio. Também não diferencia os diversos níveis de formação, e poderia levar ao absurdo de que uma pessoa apenas com graduação (licenciatura ou bacharelado) poderia exigir o direito de lecionar no ensino superior (incluindo mestrado e doutorado) sem ter título de pós-graduação. Seria necessário mudar a redação do projeto, para adequá-lo à legislação e às normas universitárias. Essa adequação precisa aparecer explicitamente no texto do projeto de lei.

(2) O texto do projeto, tal como está, não reconhece os direitos de pessoas que, embora sem diploma em História, já exercem atividades na área de História há vários anos. Quase todas as leis de regulamentação profissional incluem um artigo ou parágrafo que indica que as pessoas que, na data de publicação da lei, já se dedicam comprovadamente a essas atividades há pelo menos X anos, têm os mesmos direitos. Sem esse tipo de acréscimo, pessoas como os cientistas sociais que trabalham no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas não poderiam mais se dedicar à pesquisa e ensino de História, por exemplo. Essa correção precisa aparecer explicitamente no texto do projeto de lei. 

(3) Mesmo se for feita a correção indicada acima, o projeto de lei proibiria, no futuro, pessoas sem diploma em História de elaborar "trabalhos sobre temas históricos" (Artigo 4, alínea VI). Isso é inaceitável. Deve ser garantida a liberdade de pensamento e expressão, e isso inclui o direito de qualquer pessoa, com ou sem título em História, de estudar e elaborar trabalhos sobre temas históricos. Outro item do projeto de lei restringe aos portadores de diploma em História a "organização de informações para publicações, exposições e eventos sobre temas de História" (Artigo 4, alínea II). Isso também é inaceitável. Não pode haver proibições desse tipo. Qualquer pessoa deve poder, livremente, organizar informações e publicar livros sobre qualquer tema de História, ou sobre qualquer outro assunto. Muitos importantes historiadores brasileiros se pronunciaram contra o projeto de lei, sob este aspecto.

(4) O projeto de lei não leva em consideração a existência de tipos específicos de estudos históricos que não fazem parte do domínio de competência dos diplomados em História. Um exemplo simples é a história da filosofia. Nenhum curso de graduação ou pós-graduação em História, no Brasil, tem disciplinas sobre história da filosofia, nem desenvolve o treino intelectual necessário para a pesquisa e o ensino nessa área. Um historiador da filosofia precisa compreender profundamente o pensamento de cada pensador que estuda, diferenciando inclusive as diferenças e nuances existentes em diversas obras e fases do mesmo filósofo. É claro que um historiador, sem treino em história da filosofia, poderia estudar vários aspectos sociais da filosofia (por exemplo, as relações sociais entre os professores e departamentos de filosofia em vários países); mas não poderá desenvolver, com competência, uma história conceitual da filosofia, por lhe faltar treino para isso. Problemas semelhantes são encontrados no estudo, pesquisa e ensino de todos os estudos históricos referentes às diversas áreas de conhecimento humano (medicina, ciências exatas, arte, literatura, direito, etc.). A história conceitual da matemática exige um conhecimento de matemática, e assim por diante. O projeto de lei precisaria ser corrigido para distinguir esses casos. Não se pode exigir diploma em História para desenvolver pesquisas e para ensinar sobre a história das diversas áreas do conhecimento.

Apontei estes e outros pontos problemáticos, de forma mais detalhada, nas diversas páginas deste blog: 


SCG - Se aprovado, como tal projeto poderia afetar as pessoas que, a exemplo do senhor, que é membro do Grupo de Pesquisa sobre História, Teoria e Ensino de Ciências da USP,  trabalham diretamente com a história, mas em outros ramos, como no da história da ciência?

RAM - Do modo como o projeto de lei foi redigido, ele é muito restritivo. Se fosse aprovado, ele proibiria pessoas sem diploma em História de desenvolver atividades como o ensino de história, em todos os níveis. Como o texto do projeto de lei não estabelece qualquer exceção, eu próprio não poderia mais ministrar aulas sobre história da ciência. Algumas pessoas dizem que bastaria mudar o nome da disciplina, dando-lhe algum título como "evolução dos conceitos científicos". Parece-me, no entanto, que tal tipo de "jeitinho brasileiro" é indigno e inaceitável. Não há precedentes, em todo o mundo, de proibições desse tipo. Fora do Brasil, sou e continuarei a ser um "historian of science", ou "historien de la science", e no exterior tenho o direito de ministrar disciplinas com o nome "history of science", ou "histoire des sciences". Por que motivo não poderia fazer o mesmo no meu país? Será que preciso pedir asilo político e partir para o exílio? 

Se o projeto de lei for aprovado, com sua redação atual, os atuais historiadores da ciência que não possuem diploma em história também ficarão proibidos de fazer a "organização de informações para publicações, exposições e eventos sobre temas de História" (Artigo 4, alínea II). Não poderei mais organizar informações para publicar trabalhos sobre história da ciência, que é um tema histórico. Talvez possa publicar trabalhos sobre história da ciência se as informações estiverem desorganizadas, não tenho certeza... Também não poderei organizar informações sobre história da ciência para apresentar em eventos, nem participar da própria organização de eventos de história da ciência. Tudo isso me parece absurdo. É claro que também não poderei mais elaborar projetos de pesquisa, pois o texto do projeto de lei restringe aos portadores de diploma em História atividades como "elaboração de pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos sobre temas históricos" (Artigo 4, alínea VI). Qualquer tema histórico, sem exceção. Só quem não leu com atenção o texto do projeto de lei, ou quem não sabe ler, poderia afirmar que o projeto não é proibitivo. Se aprovado, ele proibirá pessoas sem diploma em História de elaborar projetos e trabalhos sobre qualquer tema histórico.

SCG - Se aprovado, como se daria a continuidade do trabalho de historiar áreas específicas distintas da história, como a física, sobre a qual o senhor se debruça, com as quais os historiadores de formação normalmente têm pouca familiaridade?

RAM - Se o projeto de lei 4699/2012 for aprovado, com sua redação atual, a história conceitual de todas as áreas científicas deixaria de existir em nosso país, na prática. Os atuais historiadores da arte, da educação, da medicina, da filosofia, da linguística, da literatura e das outras áreas de conhecimento que não possuem diploma em História ficariam impedidos de continuar suas atividades; e os meros diplomados em História não poderiam substitui-los de modo competente, por lhes faltar o conhecimento específico dessas áreas do conhecimento. Como um historiador sem conhecimento científico poderia analisar os debates ocorridos durante o desenvolvimento da mecânica quântica? Como um historiador sem conhecimento científico poderia discutir as diferenças e semelhanças entre a teoria da relatividade de Einstein e as teorias de éter? Como um historiador sem conhecimento científico poderia analisar o que ocorreu durante a revolução astronômica dos séculos XVI e XVII? É claro que muitos historiadores poderiam responder: essas coisas não interessam, não precisam ser estudadas. Muito bem: podem não interessar a algumas pessoas. Mas será que outras pessoas devem ser proibidas de pesquisar temas históricos como esses? No resto do mundo, a história conceitual da física e das demais áreas de conhecimento é um empreendimento acadêmico digno, respeitado. Por que seria rejeitado no Brasil? Isso não pode acontecer. Isso não vai acontecer. O projeto de lei 4699/2012 não pode ser aprovado em sua forma atual. Precisa ser corrigido, ou rejeitado. 

SCG - O que motivou a tradução e divulgação de manifestos estrangeiros sobre a questão no blog? Como isso tem sido recebido por aqui?

RAM - Muitas pessoas, infelizmente, não possuem uma visão suficientemente ampla daquilo que ocorre no mundo todo. Sem essa perspectiva internacional, os debates sobre o projeto de lei adquirem uma aparência puramente local e as opiniões a favor e contra o projeto parecem todas ter o mesmo peso. Por isso me pareceu importante divulgar documentos que mostram como a situação é vista no exterior. Os que defendem o Projeto de Lei 4699/2012 sobre a profissão do historiador com sua redação atual procuram desqualificar os opositores, como os historiadores da arte, da educação, das ciências, etc. É importante que fique muito claro que eles estão se opondo a uma tradição internacional centenária. É importante que fique claro que, se o projeto de lei for aprovado, o Brasil será o único país do mundo a exigir diploma em História para o desenvolvimento de qualquer trabalho sobre temas históricos. Os historiadores de outros países que estão cientes desse projeto de lei ficam atônitos, incrédulos e depois horrorizados, quando compreendem o teor da proposta. Além dos documentos que temos traduzido e divulgado, recebemos comentários pessoais de diversos pesquisadores do exterior que se mostram indignados com essa tentativa de cercear a liberdade da pesquisa e do ensino sobre temas históricos. As manifestações estrangeiras têm, felizmente, produzido um forte impacto e um ótimo efeito. Muitas pessoas que nem mesmo paravam para pensar sobre o assunto estão agora refletindo mais cuidadosamente sobre o texto do projeto de lei e percebendo seus problemas. Isso tem ocorrido não apenas no meio acadêmico, mas também no Congresso Nacional. Os deputados federais, sobre quem recai atualmente a responsabilidade de julgar a validade desse projeto de lei, estão agora cientes de que, se essa proposta de regulamentação for aprovada em sua forma atual, isso terá repercussões internacionais indesejáveis. Considero, portanto, muito positivo o efeito da divulgação desses manifestos internacionais.  

SCG - Para contextualizar a entrevista, eu precisaria de um breve texto biográfico que evidenciasse, em sua trajetória profissional, a convergência para a história.

RAM - Desde criança, gostava muito de ler e "devorava" muitos livros por mês. Quando estava no ensino médio, encantei-me com física, química, biologia, filosofia e história das ciências. A partir dos 15 anos de idade comecei a ler muito, por conta própria, sobre esses assuntos. Resolvi fazer graduação em física, mas durante a graduação fiz disciplinas de filosofia da ciência e biologia, além de dedicar meus fins de semana a ler muito sobre história e filosofia das ciências, além de outros assuntos. Enfim: tinha uma grande curiosidade intelectual. Por qual motivo comecei a concentrar minha atenção principalmente na história das ciências? Não saberia responder. Isso foi acontecendo gradualmente. Em torno dos 30 anos de idade essa escolha já estava bem definida. Fiz meu doutorado em filosofia da ciência. Minha formação se deu, essencialmente, através de leituras. À medida que publicava trabalhos no Brasil e no exterior, fui adquirindo certa respeitabilidade. Há mais de 30 anos tenho bolsa de produtividade em pesquisa do CNPq (atualmente, no nível 1-B), com projetos de história da ciência. Aposentei-me na Unicamp em 2010, o que me dá muita liberdade. Por isso, esse projeto de lei, se aprovado, não poderá me atingir. Estou lutando pelo direito de outras pessoas que queiram se dedicar seriamente à pesquisa e ao ensino de História e que não possuem nem querem ter um diploma em História. 

Roberto de Andrade Martins

20 de setembro de 2013

Manifestação internacional: Academia das Ciências de Lisboa se posiciona contra o Projeto de Lei 4.699/2012, do Brasil, sobre regulamentação da profissão de historiador

A Academia das Ciências de Lisboa (Portugal), tomando conhecimento da proposta de legislação brasileira (Projeto de Lei 4699/2012) que restringe as atividades de estudos históricos aos portadores de diploma em História, manifestou-se contra esse Projeto de Lei, apontando a tradição existente em todos os países do mundo de que profissionais de diferentes áreas se dediquem à história de suas próprias disciplinas. 


"Se, por absurdo, houvesse tais restrições, haveria dificuldades de actuação para eminentes investigadores em História da Ciência, nenhum dos quais diplomado em História: como Luís de Albuquerque (Matemático), Rómulo de Carvalho (Físico), Joaquim de Carvalho (Filósofo), Reinaldo dos Santos (Médico), Luís de Pina (Médico), Conde de Ficalho (Botânico), etc. por se terem dedicado à História da Ciência, da Arte, e da Cultura, no sentido mais geral." 

Veja abaixo o texto completo da manifestação da Academia das Ciências de Lisboa.


Academia das Ciências de Lisboa

CONSIDERAÇÕES ACERCA DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Desde o início em 1779, a Academia das Ciências de Lisboa, casa de que José Bonifácio foi membro e longamente Secretário-Geral, actuou em domínios da História e da Cultura, incluindo, além de outras, as suas vertentes científicas e tecnológicas. Vários foram os cultores da História da Ciência através dos tempos.

Foi, a nossa Instituição, contactada por Colegas brasileiros, incluindo Sócios nossos, em que se manifesta grande preocupação perante a perspectiva de ser produzida Legislação (Projecto de Lei 4699/2012) com efeitos restritivos, nomeadamente ao estabelecer que: apenas pessoas com diploma em História (graduação, mestrado ou doutorado) podem exercer atividades na área de história, incluindo o ensino, organizar informações para publicações e eventos, bem como elaborar projectos, relatórios e trabalhos sobre qualquer tema histórico.

A evidência mostra, sem a menor dúvida, que a História da Ciência requer frequentemente abordagem multidisciplinar; e que é da máxima e incontornável importância a competência científica, alicerçada em Investigação relevante na área em estudo. A avaliação do mérito e qualidade têm, como se disse, que assentar na competência científica, condição sine qua non, não necessariamente garantida pela simples preparação em História, mesmo que se tente privilegiar ‘corporativamente’ esta - o que nem sequer é realista, até por surgirem temas de trabalho interessando o Brasil e não só, a investigar em países onde a Investigação em História da Ciência não esteja peada e onde certamente prosseguirá. Com ou sem legislação restritiva.

Se, por absurdo, houvesse tais restrições, haveria dificuldades de actuação para eminentes investigadores em História da Ciência, nenhum dos quais diplomado em História: como Luís de Albuquerque (Matemático), Rómulo de Carvalho (Físico), Joaquim de Carvalho (Filósofo), Reinaldo dos Santos (Médico), Luís de Pina (Médico), Conde de Ficalho (Botânico), etc. por se terem dedicado à História da Ciência, da Arte, e da Cultura, no sentido mais geral. Com os critérios agora propostos na legislação em causa, haveria, no nosso País, notório empobrecimento da História da Cultura s.l. Aliás, esta Academia tem mantido a tradição de ‘guardar’ lugar para personalidades que se destaquem em História da Ciência.

É este o nosso Parecer. Apresentamos os nossos melhores cumprimentos.

Lisboa, 19 de Setembro de 2013

Pela Academia das Ciências de Lisboa,

Luís Aires-Barros (Presidente)
Artur Anselmo (Vice-Presidente)
Maria Salomé Pais (Secretária-Geral)
Miguel Telles Antunes (Director do Património e do Museu)
Henrique Leitão (Académico)

Salão Nobre da Academia das Ciências de Lisboa

15 de setembro de 2013

"Monopólio da História: riscos da regulamentação da profissão do historiador", por Gabriel de Andrade Fernandes

"Não há motivos para ser contra a regulamentação de uma profissão. Nenhuma regulamentação, porém, deve ser motivo para a delimitação de latifúndios do saber. O monopólio do processo de construção do conhecimento, como mostra a experiência, só tende a gerar obscurantismo e mistificação."


O arquiteto Gabriel de Andrade Fernandes divulgou no dia 20/08/2013 em seu blog "Notas Urbanas" uma crítica ao projeto de lei de regulamentação da profissão do historiador (PL 4699/2012).

Veja o texto na íntegra, abaixo.


"Monopólio da História: riscos da regulamentação da profissão do historiador", por Gabriel de Andrade Fernandes

Tramita no Congresso Nacional um projeto de lei que regulamenta a profissão do historiador. Promovido pela Associação Nacional de História (ANPUH) e de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), o projeto já foi aprovado pelo Senado e aguarda manifestação da Câmara.

Independente do mérito da causa - a qual não é o caso de discutir aqui, pois o tema da regulamentação profissional é mais complexo - trata-se de um projeto problemático, mesmo que se concorde com ele: apesar da inegável necessidade de se constituir um marco legal que reconheça a existência da profissão de historiador e da necessidade de sua contratação por instituições como órgãos de patrimônio e arquivos públicos, o projeto define atribuições exclusivas ao profissional historiador que na prática significam uma apropriação indevida de práticas promovidas há tempos por uma miríade de outros profissionais e pesquisadores de outros campos.

Caso seja aprovado, o resultado desta insegurança jurídica será a inevitável cartorialização do conhecimento e da pesquisa científica. Entre outras coisas, apenas historiadores de formação serão legalmente habilitados a lecionarem e a pesquisarem História em universidades e a coordenarem diferentes tipos de trabalho (de pesquisa, de curadoria, entre outros) no campo da História. A situação será tão kafkaniana que um doutor em Letras será impedido de lecionar História da Literatura, assim como também será impedido de lecionar História da Filosofia um doutor em Filosofia. O mesmo vale para a História da Arte, das Ciências, da Arquitetura, etc.

Não se sabe se a ANPUH e o sr. Paulo Paim ignoram a riqueza intelectual e a vasta quantidade de trabalhos curatoriais e de pesquisa de campos historicamente autônomos - como a História da Arte, da Arquitetura, do Design, das Ciências, da Filosofia, da Literatura, entre outros - ou se trata-se mesmo de pura má-fé e apropriação indevida de campos de pesquisa e ação em que historiadores não têm atuado no Brasil. Seja ignorância, desprezo ou má-fé a origem do absurdo projeto de lei, o resultado será o mesmo: uma atitude paternalista do Estado perante a sociedade e a reserva de mercado aos historiadores de campos do conhecimento que por vezes lhes são até alienígenas.

Não faltam manifestações contrárias ao projeto de lei: desde meados de julho, quando a ANPUH reiterou sua posição intransigente de manter em tramitação o projeto de lei, chovem cartas abertas e notas públicas de protesto das mais variadas entidades e personalidades. Até mesmo entidades estrangeiras como a Royal Historical Society britânica e a History of Science Society manifestaram-se contra tal projeto, apontando os efeitos nefastos de sua aprovação. Os colegiados de professores de variadas instituições de ensino superior também vêm denunciando os problemas deste projeto, como, por exemplo, pode-se verificar em carta aberta dos professores do Departamento de História da Arte da UNIFESP e da UERJ.

Um bom resumo das manifestações contrárias se encontra no blogue mantido pelo professor Roberto Martins (http://profissao-historiador.blogspot.com.br/) e na página sobre o tema localizada no sítio do Comitê Brasileiro de História da Arte.

De um modo geral, as críticas apontam os principais absurdos e incongruências do projeto de lei: ele faz com que os historiadores de formação transformem-se nos único profissionais legalmente habilitados a lidar com campos epistemologica e metodologicamente autônomos da História, seja na História da Arte, na da Educação, na das Ciências, etc.

A ANPUH rebate as críticas alegando que os atuais profissionais destes campos não terão seus direitos excluídos de um dia para o outro. Mas reitera seu desejo em ver apenas historiadores de formação lecionando estes campos no futuro, ignorando a qualidade e a competência de dezenas de programas de pós-graduação interdisciplinares no país e fora dele, os quais formam todos os anos pesquisadores responsáveis e rigorosos em campos como História da Arte e das Ciências. Além disso, como está apontado nas manifestações contrárias ao projeto de lei, a mesma ANPUH se posiciona contrária à própria existência de cursos de graduação de História da Arte autônomos de departamentos de História. Parece que a entidade quer a todo custo impor por meio de uma canetada a solução para a inabilidade dos atuais cursos de História em atuarem e formarem profissionais em campos como a História da Arte e o patrimônio cultural, os quais têm sua produção acadêmica ocorrendo tradicionalmente em faculdades, institutos e departamentos autônomos aos de História em universidades brasileiras e estrangeiras.

Tudo isto parece um misto de ciúmes, paternalismo e furor corporativista. Não deixa de ser patético assistir a acadêmicos de uma disciplina tão rica e rompedora de limites epistemológicos como é a História defendendo ardorosamente uma delimitação disciplinar rígida, ultrapassada e com implicações tecnocráticas, ignorando quaisquer benefícios trazidos por posturas inter e transdisciplinares.

Além das críticas já apontadas pelas várias entidades, há ainda uma menos comentada e igualmente grave, na qual o caráter paternalista do projeto de lei fica ainda mais explícito: o fato de, com a lei aprovada, ficar inviabilizada qualquer ação curatorial (em praticamente qualquer campo da ação cultural) que não seja feita por um historiador de formação. Qualquer exposição de arte pode ser considerada um “trabalho com tema histórico”, o que exigirá a coordenação de um historiador: com esta canetada, serão de um dia para o outro desprezados os trabalhos de críticos e historiadores da arte que atuam com curadoria.

Não há motivos para ser contra a regulamentação de uma profissão. Nenhuma regulamentação, porém, deve ser motivo para a delimitação de latifúndios do saber. O monopólio do processo de construção do conhecimento, como mostra a experiência, só tende a gerar obscurantismo e mistificação.

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Em tempo: na mesma medida em que considero nefasta a postura arrogante da ANPUH em tentar limitar aos historiadores de formação a atuação em campos consagradamente autônomos como a História da Arte e da Arquitetura, também é necessário frisar a igualmente nefasta postura do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) em determinar como um trabalho técnico privativo dos arquitetos o magistério das disciplinas História da Arquitetura, do Urbanismo e do Paisagismo. O CAU renega a formação de seus próprios arquitetos, cujas aulas de história da arquitetura na graduação contaram com pesquisadores oriundos dos mais diversos campos. Esta postura é tão cartorial, paternalista e corporativista quanto a da ANPUH e deve ser igualmente denunciada.

Gabriel de Andrade Fernandes

Gabriel de Andrade Fernandes

Texto original publicado no blog "Notas Urbanas":
http://notasurbanas.blog.com/2013/08/20/monopolio-da-historia-riscos-da-regulamentacao-da-profissao-do-historiador/

11 de setembro de 2013

Manifestação internacional: Société d'Histoire du Droit (Sociedade de História do Direito) critica o Projeto de Lei 4699/2012 de regulamentação da profissão do historiador

"Espera-se que os opositores do projeto que está sendo discutido no Brasil serão ouvidos e que o Congresso desistirá de votar um texto tão contrário ao espírito e às tradições de pesquisa em ciências humanas."


A Société d'Histoire du Droit (Sociedade de História do Direito) foi fundada em 1913 por um grupo de professores de Paris, incluindo Emile Chénon, Paul Fournier, Gustave Glotz, Emile Jobbé-Duval (que foi o seu primeiro presidente), Robert Génestal e Ernest Champeaux. Em 1925 essa Sociedade iniciou uma série de eventos anuais internacionais, "Journées internationales d'histoire du droit", que ocorrem até a atualidade, em diferentes países. Atualmente, a Sociedade de História do Direito tem cerca de 700 membros, principalmente do meio universitário, representando trinta nacionalidades. Aproximadamente 43% dos membros são estrangeiros.

Société d'Histoire du Droit analisou e criticou o Projeto de Lei 4699/2012, que propõe restringir aos portadores de diplomas em História todas as atividades de ensino e pesquisa de todos os temas históricos.


Paris, 11 de setembro de 2013.

A Sociedade de História do Direito (Société d’Histoire du Droit, SHD), alertada sobre o projeto de lei que visa reformar o status profissional dos historiadores (Projeto de Lei 4699/2012), manifesta seu desacordo frente a uma iniciativa que procura reservar esta disciplina a um grupo limitado definido por lei.

Por suas atividades e sua razão de ser, a SHD (Sociedade de História do Direito) tem a vocação de promover nosso conhecimento dos diferentes sistemas jurídicos em sua dimensão histórica e geográfica. No entanto, os seus membros – professores, conferencistas, doutorandos – não são, em sua grande maioria, possuidores de um diploma em história. Eles são juristas de diferentes nacionalidades, formados em faculdades de Direito, que investiram no campo histórico e demonstram continuamente a sua competência nele através de suas publicações e de seu prestígio acadêmico. Os historiadores do Direito não são historiadores, seus métodos e seus objetivos são diferentes. Eles analisam e explicam o direito positivo vigente colocando-o no seu contexto, às vezes muito antigo, pois a perspectiva histórica é necessária para a compreensão das regras jurídicas.

O projeto de lei atualmente em discussão no Brasil seria um duro golpe para esses valores, que defendemos enquanto juristas. Ao mesmo tempo, excluiria da vida cultural um grande número de eruditos e de pesquisadores (antropólogos, sociólogos, filósofos, juristas, economistas , demógrafos, cientistas políticos) que têm um olhar diferente – mas tão necessário! – sobre a história. Foi desse diálogo que saiu, por exemplo, a escola dos Annales, e é ainda esta colaboração permanente entre historiadores e juristas que alimenta colóquios e publicações sobre temas extremamente variados. Se a França promulgasse uma lei similar à que está agora sendo discutida no Brasil, simplesmente não haveria mais aqui nenhuma História do Direito!

A erudição e o espírito crítico não se desenvolvem apenas dentro dos círculos permitidos por uma disciplina, mas se nutrem, pelo contrário, de trocas cruzadas e de métodos complementares. A SHD (Sociedade de História do Direito) sempre se manteve comprometida com a liberdade de ensino e de pesquisa, que ela defende como uma condição indispensável para a independência e qualidade dos trabalhos científicos. Espera-se que os opositores do projeto que está sendo discutido no Brasil serão ouvidos e que o Congresso desistirá de votar um texto tão contrário ao espírito e às tradições de pesquisa em ciências humanas.

Sophie Démare-Lafont
Presidente da Sociedade de História do Direito (Société d’Histoire du Droit)
com o apoio da Diretoria e do Conselho de Administração

Sophie Démare-Lafont

Tradução: Roberto de Andrade Martins

Documento original, em francês:

9 de setembro de 2013

Manifesto do Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia (Portugal) contra o Projeto de Lei 4699/2012 sobre regulamentação da profissão de historiador

A principal instituição portuguesa de pesquisas sobre História das Ciências e da Tecnologia - o CIUHTC, Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia - se manifestou criticando o Projeto de Lei 4699/2012 sobre regulamentação da profissão de historiador, em apoio aos pesquisadores brasileiros



Lisboa, 9 Setembro 2013

O Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia (CIUHCT), composto por uma multiplicidade de investigadores nacionais e estrangeiros, todos profissionais na área da História da Ciência e da Tecnologia, mas oriundos das mais diversas áreas de saber, incluindo física, química, biologia, história, matemática, arquitectura, artes e filosofia, teve conhecimento do Projeto de Lei 4699/2012, sobre a regulamentação da profissão do historiador no Brasil, em que se estabelece que “(…) apenas pessoas com diploma em História (graduação, mestrado ou doutorado) podem exercer atividades na área de história, incluindo o ensino, organizar informações para publicações e eventos, bem como elaborar projetos, relatórios e trabalhos sobre qualquer tema histórico.”

Tratando-se de um assunto de extrema importância e com impacto para além fronteiras,o CIUHCT vem associar-se aos colegas brasileiros que, não sendo diplomados em História – Ciência Social ou Humanista, possuem legítimas competências para leccionar programas e desenvolver todas as estratégias correntes com vista à sedimentação de práticas de investigação (projectos, avaliação de bolsas, etc.) na área da História da Ciência e da Tecnologia. 

A área da História da Ciência e da Tecnologia tem no seu DNA uma forte componente interdisciplinar, não apenas pelos temas que trata, eles próprios habitantes de territórios de disciplinas diferentes, mas também pela forma como os seus quadros conceptuais e metodológicos foram definidos pela comunidade de historiadores praticantes neste campo disciplinar. Os debates sobre a “propriedade” da área da História da Ciência e da Tecnologia, centrados na questão da visão internalista vs contextualista e que tiveram o seu auge na década de 50, acabaram por definir a configuração moderna desta área, nela imprimindo um cunho interdisciplinar que sanciona, a par da formação académica, a prática de investigação relevante. São inúmeros os exemplos individuais e institucionais que cristalizam esta visão da História da Ciência e da Tecnologia. Basta olharmos para as grandes sociedades representativas desta área – a History of Science Society (HSS), a Society for the History of Technology (SHOT), a European Society for the History of Science (ESHS), o International Committee for the History of Technology (ICOHTEC) – ou para instituições de referência como o Max Planck Institute for the History of Science ou o Centre Alexandre Koyré, para percebermos que o que define o historiador da ciência e da tecnologia não é necessariamente a sua formação académica, mas largamente a qualidade da sua prática de investigador reconhecido pelos pares.

Claro que é desejável que a História da Ciência e da Tecnologia tenha uma formação específica que tenderá a afirmar-se, em especial, ao nível pós-graduado (mestrados e doutoramentos). Será um caminho natural, que está, aliás, a ser percorrido, que não necessita de assomos de territorialidade e cuja pauta deve ser, antes, a qualidade da investigação.

O Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia, unidade de investigação financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Portugal), tem uma prática de formação e de investigação na sua área de quase um quarto de século, nele se integrando a primeira geração de historiadores da ciência e da tecnologia portugueses profissionais e onde convivem investigadores de formação de base diversa, o que é considerado muitíssimo enriquecedor e que se deseja conservar, a maioria com pós-graduação na área e outros cujo percurso de reconhecimento se fez no terreno da investigação. 

A nossa experiência que, sem falsas modéstias, consideramos de grande sucesso, motivou-nos a escrever esta carta de apoio aos colegas historiadores da ciência e da tecnologia brasileiros, alguns dos quais conhecemos bem e com quem colaboramos, no sentido de não se optar por uma configuração da área da História da Ciência e da Tecnologia por decreto, mas sim permitir aos investigadores que nela trabalham, com base numa apreciação interpares, a criação de filtros baseados no mérito e na qualidade da investigação.

Ana Simões
Professora Associada com Agregação, FCUL
Coordenadora CIUHCT e Coordenador CIUHCT - Pólo UL
(Universidade de Lisboa, Portugal)

Maria Paula Diogo
Professora Catedrática, FCT-UNL
Coordenadora CIUHCT - Pólo UNL
(Universidade Nova de Lisboa, Portugal)

Ana Simões e Maria Paula Diogo, coordenadoras do CIUHCT

CIUHTC, Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia
http://www.ciuhct.com/

Divulgado também em:
http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=89306

6 de setembro de 2013

Manifesto da Academia Maranhense de Letras sobre o projeto de lei 4699/2012, que regulamenta a profissão do historiador

No dia 05 de setembro, a Academia Maranhense de Letras aprovou um Manifesto sobre o projeto de lei 4699/2012, que regulamenta a profissão do historiador, proposto pelo acadêmico Luiz Phelipe Andrès


Sede da Academia Maranhense de Letras

Manifesto da Academia Maranhense de Letras sobre o projeto de lei 4699/2012, que regulamenta a profissão do historiador

À Câmara dos Deputados

Excelentíssimos Senhores Deputados Federais:

A Academia Maranhense de Letras (AML), instituição cultural fundada em 1908, unindo sua voz à de muitas outras entidades culturais e científicas brasileiras, vem aqui manifestar-se contrariamente ao Projeto de Lei 4.699/2012, que regulamenta a profissão do historiador, atualmente em tramitação no Congresso Nacional.

O Projeto de Lei 4.699 estabelece que apenas os diplomados em História (com título de graduação, mestrado ou doutorado) poderão ser considerados historiadores; e garante a essas pessoas diversos direitos exclusivos, como os do ensino de todos os conteúdos de História, em todos os níveis; a organização de publicações, eventos e exposições sobre temas de História; a organização e direção de serviços de documentação e informação histórica; bem como a elaboração de planos e trabalhos sobre temas históricos. 

Essa proposta de legislação pressupõe que basta ter um diploma para ser um historiador competente; e que não possuir o diploma desqualifica qualquer pessoa, considerando-a incapaz de se debruçar sobre o passado e estudá-lo de modo competente. Nenhuma dessas premissas é aceitável. 

Há inúmeros exemplos de grandes historiadores do Brasil e de outros países que nunca possuíram diploma de História. A dedicação, a vasta cultura, a seriedade e a experiência podem ser muito mais importantes do que um mero diploma. Não se pode querer conceder o título de “historiador” a uma pessoa recém-saída de um curso de licenciatura ou bacharelado em História, e negá-lo às pessoas que se dedicam há décadas à pesquisa, ao ensino e à difusão de conhecimentos históricos. 

O Projeto de Lei 4.699/2012 restringe ao portador de um diploma em História qualquer atividade relacionada a qualquer tema histórico. Isso inclui, entre outras coisas, a História da Literatura. No entanto, o currículo dos cursos de História não abrange a História da Literatura – seja mundial, ou nacional, ou regional. São os cursos de Letras que ensinam essas disciplinas. No entanto, de acordo com a atual proposta de legislação, as pessoas que se formaram em Letras ficarão impedidas de pesquisar, ensinar e publicar sobre História da Literatura; mas qualquer portador de diploma em História pode pesquisar, ensinar e publicar não apenas sobre História da Literatura como também sobre qualquer outro tema histórico. 

Se essa proposta de legislação for aprovada, qualquer pessoa sem diploma em História ficará proibida de se dedicar à história de nossa cultura, de nossas instituições, de nossa tradição, de nossa arte, de nosso folclore, de todo o passado da humanidade, de nosso país, de nosso Estado, de nossa cidade. A liberdade de pensamento será cerceada, pois em vez de uma pluralidade de olhares sobre o passado, apenas será permitido ler e aprender uma visão estereotipada da História, proveniente de uma interpretação limitada a respeito do ser humano, da sociedade e da cultura.  

Limitar o ofício do historiador ao portador de um diploma em História seria uma reserva de mercado descabida, que não se baseia em uma real competência e que só poderia prejudicar o desenvolvimento cultural de nosso país. 

Por todos esses motivos, a Academia Maranhense de Letras pede aos membros do Congresso Nacional, dignos representantes da sociedade brasileira, que reflitam sobre as grandes falhas existentes no Projeto de Lei 4.699/2012, e que o rejeitem ou corrijam, de tal modo que os portadores de diploma em História possam ter garantia de certas prerrogativas sem cercear os legítimos direitos de outros cidadãos.

Livro publicado em comemoração ao primeiro centenário da AML, em 2008.
Ver também a notícia publicada no Jornal da Ciência, da SBPC:
http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=89184

3 de setembro de 2013

Reunião realizada no dia 03/09 para discutir emendas ao Projeto de Lei 4699/2012

Realizou-se na tarde do dia 03 de setembro de 2013, na sede da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em São Paulo, uma reunião com a participação de diversas associações, para discutir o projeto de lei 4699/2012 de regulamentação da profissão do historiador. 



Estiveram presentes representantes das seguintes entidades (em ordem alfabética):
  • Associação Brasileira de Filosofia e História da Biologia (ABFHiB), representada pela professora Maria Elice Brzezinski Prestes
  • Associação de Filosofia e História da Ciência do Cone Sul (AFHIC), representada pelo professor Osvaldo Pessoa Jr.
  • Associação Nacional de História (ANPUH), representada pela professora Gabriela Pellegrino Soares
  • Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), representada pelo professor Carlos Eduardo Vieira
  • Comitê Brasileiro de História da Arte (CBHA), representado pela professora Maria de Fátima Couto
  • Federação de Arte/Educadores do Brasil (FAEB), representada pela professora Rejane G. Coutinho
  • Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC), representada pelo professor Thomás A. S. Haddad
  • Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE), representada pelo professor Carlos Eduardo Vieira (que também representou a ANPEd)
  • Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), representada pelo professor Ildeu de Castro Moreira
Participaram também da reunião Roberto de Andrade Martins (que não representa nenhuma entidade), Vivian Leite e Evanildo da Silveira - estes dois últimos, da Assessoria de Comunicação da SBPC.

A reunião foi coordenada pelo professor Ildeu de Castro Moreira, do Conselho da SBPC.

O objetivo desse encontro foi discutir emendas ao Projeto de Lei 4699/2012, dando continuidade às negociações que haviam sido iniciadas em Brasília, no dia 21 de agosto.
http://profissao-historiador.blogspot.com.br/2013/08/reuniao-no-senado-federal-sobre-o.html
Na reunião que havia sido realizada no Senado, a convite do senador Paulo Paim e dos deputados Chico Alencar e Policarpo, havia ficado claro que o projeto de lei não poderia ser aprovado em sua forma original e que deveria necessariamente passar por modificações. Os parlamentares solicitaram que as várias associações que estão envolvidas na discussão do projeto de lei procurassem elaborar uma sugestão conjunta, para encaminhar à Câmara dos Deputados, e este foi o objetivo central da reunião realizada em São Paulo, no dia 03 de setembro.

Nesta reunião, a única entidade que se posicionou a favor da rejeição total do projeto de lei foi a Associação de Filosofia e História da Ciência do Cone Sul (AFHIC).
http://profissao-historiador.blogspot.com.br/2013/08/afhic-defende-rejeicao-total-do-projeto.html
No entanto, essa posição não foi apresentada como uma decisão fechada, e sim sujeita a discussões.

A representante da Associação Nacional de História (ANPUH) expôs então a nova posição da Diretoria dessa entidade: a ANPUH está ciente da necessidade de introduzir alterações no projeto de lei, e sugere três mudanças: (1) Considerar como historiadores os que já exercem essas atividades há pelo menos cinco anos, mesmo sem possuírem diploma em História; (2)  a especificação de que o ensino de história nos níveis fundamental e médio seria uma atribuição dos licenciados em História; e (3) a indicação de que o ensino de história de áreas específicas do conhecimento (como História da Educação, História das Ciências e História da Arte) no nível superior poderia ser realizado por pessoas formadas em cursos de pós-graduação com essas linhas de pesquisa específicas. A proposta da ANPUH foi manter todos os demais artigos do projeto de lei com sua redação original.
http://profissao-historiador.blogspot.com.br/2013/09/anpuh-propoe-mudancas-do-projeto-de-lei.html

Representantes de outras entidades consideraram positiva a atitude da ANPUH de aceitar a introdução de modificações no projeto de lei, mas apontaram que não era apenas a questão do magistério que havia produzido críticas ao projeto de lei, mas todo o conjunto de atribuições exclusivas dos diplomados em história (Artigo 4).

O representante da Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC) apresentou em seguida uma nova sugestão de emenda, com diversas alterações nos artigos 3, 4 e 5.
http://profissao-historiador.blogspot.com.br/2013/09/sbhc-propoe-emendas-ao-projeto-de-lei.html
A nova proposta produziu reações positivas por parte dos representantes das demais associações, embora alguns de seus aspectos não obtivessem a concordância de todos.

Depois de uma discussão de vários aspectos da emenda sugerida pela SBHC, chegou-se a um consenso de que aquela proposta poderia servir como ponto de partida para discussão no âmbito das Diretorias das várias associações, que provavelmente concordariam com muitos de seus aspectos. Ficou então acordado que essa sugestão de emenda seria enviada para todas as associações envolvidas na discussão do projeto de lei 4699/2012, e que elas deveriam se pronunciar a respeito da mesma até as 17 horas do dia 09 de setembro (segunda feira). A partir dessas respostas, os professores Ildeu de Castro Moreira (SBPC), Thomás A. S. Haddad (SBHC) e Gabriela Pellegrino Soares (ANPUH) deverão elaborar um documento a ser encaminhado à Câmara dos Deputados, indicando os pontos de consenso e as discordâncias das diversas associações a respeito da proposta de alteração do projeto de lei.

VER TAMBÉM:
Notícia publicada dia 05/09/2013 no JC email sobre esta reunião:
http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=89126

VER TAMBÉM:
Matéria de Vivian Costa publicada no Jornal da Ciência de 13/09/2013 a respeito desta reunião:
https://dl.dropboxusercontent.com/u/4072208/Jornal-da-Ciencia-2013-09-13-reuniao-SBPC-p4.pdf


Infelizmente, o documento que deveria ser enviado à Câmara dos Deputados nunca chegou a ser redigido nem enviado. Em vez daquilo que havia sido combinado, a Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC) voltou atrás em sua proposta, ignorou as outras associações e passou a negociar diretamente com a Associação Nacional de História uma proposta "suave" de emenda, que foi divulgada pela ANPUH no dia 24/09. 


Felizmente, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) analisou de forma crítica as propostas da ANPUH e da SBHC e as rejeitou totalmente, posicionando-se no dia 30/09 contra o Projeto de Lei e contra tais propostas de emenda.
http://profissao-historiador.blogspot.com.br/2013/09/sociedade-brasileira-para-o-progresso.html

ANPUH propõe mudanças do Projeto de Lei 4699/2012

Em reunião realizada no dia 03 de setembro, com a participação de representantes de várias entidades, a Associação Nacional de História (ANPUH) sugeriu algumas mudanças no Projeto de Lei 4699/2012 de regulamentação da profissão de historiador.


Apresentamos a seguir o texto completo do Projeto de Lei original, indicando as modificações apresentadas pela ANPUH (em vermelho).


PROJETO DE LEI 4699/2012
Regulamenta a profissão de historiador e dá outras providências.


CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º Esta Lei regulamenta a profissão de historiador, estabelece os requisitos para o exercício da atividade profissional e determina o registro em órgão competente.
Art. 2º É livre o exercício da atividade profissional de historiador, desde que atendidas às qualificações e exigências estabelecidas nesta Lei.
Art. 3º O exercício da profissão de historiador, em todo o território nacional, é privativa dos portadores de:
I – diploma de curso superior em História, expedido por instituição regular de ensino;
II – diploma de curso superior em História, expedido por instituição estrangeira e revalidado no Brasil, de acordo com a legislação;
III – diploma de mestrado, ou doutorado, em História, expedido por instituição regular de ensino superior, ou por instituição estrangeira e revalidado no Brasil, de acordo com a legislação.
IV - aos diplomados em outras áreas que tenham exercido, efetivamente, há mais de 5 (cinco) anos, a profissão de historiador, a contar da data da promulgação da lei.
Art. 4º São atribuições dos historiadores:
I – magistério da disciplina de História nos estabelecimentos de ensino fundamental, médio e superior;
I – magistério da disciplina de História nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio (cumprida a exigência da LDB quanto à obrigatoriedade da licenciatura) e no ensino superior.
a)  no ensino superior, as disciplinas dedicadas à História de áreas específicas do saber (como História da Educação, da Ciência e da Arte) poderão ser ministradas por docentes que tenham realizado mestrado ou doutorado em cursos de pós-graduação com linhas de pesquisa que contemplem a história das respectivas áreas.
II – organização de informações para publicações, exposições e eventos sobre temas de História;
III – planejamento, organização, implantação e direção de serviços de pesquisa histórica;
IV – assessoramento, organização, implantação e direção de serviços de documentação e informação histórica;
V – assessoramento voltado à avaliação e seleção de documentos, para fins de preservação;
VI – elaboração de pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos sobre temas históricos.
Art. 5º Para o provimento e exercício de cargos, funções ou empregos de historiador, é obrigatória a apresentação de diploma nos termos do art. 3º desta Lei.
Art. 6º As entidades que prestam serviços em História manterão, em seu quadro de pessoal ou em regime de contrato para prestação de serviços, historiadores legalmente habilitados.
Art. 7º O exercício da profissão de historiador requer prévio registro na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do local onde o profissional irá atuar.
Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.