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17 de julho de 2013

Mudanças profundas no ensino e pesquisa de história - Projeto de Lei 4.699/2012

Está tramitando no Congresso Nacional o projeto de lei 4699/2012 que regulamenta a profissão de historiador. Se for aprovado em sua forma atual, trará alterações radicais no ensino e pesquisa de muitas áreas de estudo histórico.


O projeto dá o nome de “historiador” ao portador de diploma de graduação (licenciatura ou bacharelado), de mestrado ou doutorado em história, e não estabelece qualquer distinção entre eles, afirmando que é atribuição dessa pessoa o magistério da disciplina de história em todos os níveis. Um bacharel em história (sem formação pedagógica) poderá utilizar a lei para exigir o direito de lecionar história para nossas crianças – o que viola a distinção tradicional entre licenciados e bacharéis. Além disso, bastará ter graduação em história para poder exercer o magistério de história no nível superior.


De acordo com esse projeto, as pessoas com diploma em história serão as únicas que poderão realizar uma grande lista de atividades, incluindo “elaboração de pareceres, relatórios, plano, projetos, laudos e trabalhos sobre temas históricos”. O projeto de lei não prevê qualquer exceção para essa regra. Uma consequência curiosa é que os estudantes das escolas ou de graduação em história não poderão elaborar trabalhos sobre temas históricos, já que ainda não têm diploma.

Há outros efeitos radicais dessa norma. Um cientista social não poderá mais elaborar qualquer projeto, relatório ou trabalho sobre temas históricos, sem diploma em história. Muitos excelentes cientistas sociais que se dedicam à história – como os do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas – ficarão impedidos de continuar seus trabalhos. Além disso, um médico, sem diploma de história, não poderá mais elaborar projetos ou trabalhos sobre história da medicina. Um filósofo, sem diploma de história, ficará proibido de elaborar projetos ou trabalhos sobre história da filosofia. O mesmo se aplica aos pesquisadores de todas as áreas do conhecimento (astronomia, biologia, computação, direito, literatura, arte...). Nenhum deles, sem diploma de história, poderá elaborar trabalhos sobre a história de sua própria área de estudos. Nem poderá elaborar projetos sobre esses temas históricos, para pedir bolsas ou auxílios aos órgãos de fomento.


Quem não tem diploma de história ficará também proibido de organizar publicações, exposições ou eventos sobre temas de história. Os educadores não poderão organizar exposições, revistas ou congressos sobre história da educação; os psicólogos não poderão organizar livros, exposições ou eventos sobre história da psicologia; e assim por diante.

Além disso, o mesmo projeto de lei prevê que apenas os portadores de diploma de história poderão exercer magistério da disciplina de história, no ensino fundamental, médio e superior. Não é prevista qualquer exceção. Os atuais professores de qualquer disciplina de história (por exemplo, história da matemática) que não tenham diploma de história deverão ser substituídos por historiadores. É bem verdade que os currículos de graduação ou pós-graduação em história não incluem história da matemática, da psicologia, da biologia, da literatura, da filosofia, da música, do direito, etc. Porém, se o projeto de lei for aprovado, tornará o ensino da história de todos os ramos do conhecimento humano uma prerrogativa exclusiva de quem tem um diploma em história – mesmo se essa pessoa não tiver qualquer noção sobre o assunto.

Não existe legislação restritiva como essa em outros países do mundo.


A entidade acadêmica que apoia essa proposta é a Associação Nacional de História (ANPUH). Muitas outras se posicionaram claramente contra esse projeto de lei, como a Sociedade Brasileira de História da Ciência, o Comitê Brasileiro de História da Arte e a Sociedade Brasileira de História da Educação. Recentemente, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) também se manifestaram contra a aprovação desse projeto de lei.

O que vai acontecer? Ninguém sabe.


Roberto de Andrade Martins - 17/07/2013

Roberto de Andrade Martins

Este texto foi publicado em:
Scientific American - Aula Aberta, Ano II, número 17, 2013, páginas 8-9
http://issuu.com/ed_moderna/docs/scientificamericanaulaaberta17

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