Está tramitando no Congresso Nacional o projeto de lei 4699/2012 que regulamenta a profissão de historiador. Se for aprovado em sua forma atual, trará alterações radicais no ensino e pesquisa de muitas áreas de estudo histórico.
O projeto dá o nome de
“historiador” ao portador de diploma de graduação (licenciatura ou
bacharelado), de mestrado ou doutorado em história, e não estabelece qualquer
distinção entre eles, afirmando que é atribuição dessa pessoa o magistério da
disciplina de história em todos os níveis. Um bacharel em história (sem
formação pedagógica) poderá utilizar a lei para exigir o direito de lecionar
história para nossas crianças – o que viola a distinção tradicional entre
licenciados e bacharéis. Além disso, bastará ter graduação em história para
poder exercer o magistério de história no nível superior.
De acordo com esse projeto, as
pessoas com diploma em história serão as únicas que poderão realizar uma grande
lista de atividades, incluindo “elaboração de pareceres, relatórios, plano,
projetos, laudos e trabalhos sobre temas históricos”. O projeto de lei não
prevê qualquer exceção para essa regra. Uma consequência curiosa é que os
estudantes das escolas ou de graduação em história não poderão elaborar
trabalhos sobre temas históricos, já que ainda não têm diploma.
Há outros efeitos radicais dessa
norma. Um cientista social não poderá mais elaborar qualquer projeto, relatório
ou trabalho sobre temas históricos, sem diploma em história. Muitos excelentes
cientistas sociais que se dedicam à história – como os do Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio
Vargas – ficarão impedidos de continuar seus trabalhos. Além disso, um médico,
sem diploma de história, não poderá mais elaborar projetos ou trabalhos sobre
história da medicina. Um filósofo, sem diploma de história, ficará proibido de
elaborar projetos ou trabalhos sobre história da filosofia. O mesmo se aplica
aos pesquisadores de todas as áreas do conhecimento (astronomia, biologia,
computação, direito, literatura, arte...). Nenhum deles, sem diploma de
história, poderá elaborar trabalhos sobre a história de sua própria área de
estudos. Nem poderá elaborar projetos sobre esses temas históricos, para pedir
bolsas ou auxílios aos órgãos de fomento.
Quem não tem diploma de história
ficará também proibido de organizar publicações, exposições ou eventos sobre
temas de história. Os educadores não poderão organizar exposições, revistas ou congressos
sobre história da educação; os psicólogos não poderão organizar livros,
exposições ou eventos sobre história da psicologia; e assim por diante.
Além disso, o mesmo projeto de
lei prevê que apenas os portadores de diploma de história poderão exercer magistério
da disciplina de história, no ensino fundamental, médio e superior. Não é
prevista qualquer exceção. Os atuais professores de qualquer disciplina de
história (por exemplo, história da matemática) que não tenham diploma de
história deverão ser substituídos por historiadores. É bem verdade que os
currículos de graduação ou pós-graduação em história não incluem história da
matemática, da psicologia, da biologia, da literatura, da filosofia, da música,
do direito, etc. Porém, se o projeto de lei for aprovado, tornará o ensino da
história de todos os ramos do conhecimento humano uma prerrogativa exclusiva de
quem tem um diploma em história – mesmo se essa pessoa não tiver qualquer noção
sobre o assunto.
Não existe legislação restritiva
como essa em outros países do mundo.
A entidade acadêmica que apoia
essa proposta é a Associação Nacional de História (ANPUH). Muitas outras se
posicionaram claramente contra esse projeto de lei, como a Sociedade Brasileira
de História da Ciência, o Comitê Brasileiro de História da Arte e a Sociedade
Brasileira de História da Educação. Recentemente, a Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) também se
manifestaram contra a aprovação desse projeto de lei.
O que vai acontecer? Ninguém
sabe.
Roberto de Andrade Martins - 17/07/2013
Roberto de Andrade Martins |
Este texto foi publicado em:
Scientific American - Aula Aberta, Ano II, número 17, 2013, páginas 8-9
http://issuu.com/ed_moderna/docs/scientificamericanaulaaberta17
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