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14 de agosto de 2013

Manifesto da Royal Historical Society contra o Projeto de Lei 4699/2012, de regulamentação da profissão de historiador

Veja o que os historiadores da Grã-Bretanha pensam a respeito do Projeto de Lei 4699/2012, de regulamentação da profissão de historiador:



A história não é um serviço técnico, cujos limites possam ser estritamente definidos pelas instituições de ensino superior ou outras instituições certificadoras. É um empreendimento crítico, avaliativo, interpretativo. Sua livre prática é vital para o funcionamento de uma sociedade livre e saudável. 

A Royal Historical Society, fundada em 1868, é a principal associação da Grã-Bretanha dedicada à promoção e defesa do estudo acadêmico do passado. O Presidente da Royal Historical Society, professor Peter Mandler, divulgou um documento criticando a proposta de regulamentação da profissão de historiador (Projeto de Lei 4699/2012) que está tramitando pela Câmara dos Deputados. 


14 de Agosto de 2013

A quem possa interessar:

Foi trazida à nossa atenção uma tradução para o inglês do “Projeto de Lei 4699/2012”, que atualmente está sendo discutido pelos legisladores do Brasil, e que está causando grande preocupação internacional entre os historiadores profissionais. Esta proposta de legislação parece restringir não apenas o ensino de História, mas também a pesquisa e a escrita da história no Brasil a quem tem títulos em História, emitidos por instituições brasileiras, ou estrangeiros ‘validados’.

Parece que está sendo feita alguma analogia, por exemplo, com o licenciamento profissional de psicólogos ou engenheiros para lhes conferir o direito de realizar serviços técnicos. Esta analogia nos parece ser falsa e perigosa. Em primeiro lugar, é completamente razoável restringir o desempenho de alguns serviços técnicos deste tipo àqueles que têm a certificação adequada; mas certamente não é razoável restringir “organização de informações” ou “elaboração de pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos”, mesmo sobre esses temas. Realmente, os profissionais muitas vezes dependem de “informações, pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos” de pessoas externas para criticar e melhorar as suas próprias práticas. Qualquer restrição deste tipo de comentário prejudicaria seriamente as práticas que se quer proteger.

Mas, em segundo lugar, a história simplesmente não é como a psicologia ou a engenharia. Não é um serviço técnico, cujos limites possam ser estritamente definidos pelas instituições de ensino superior ou outras instituições certificadoras. É um empreendimento crítico, avaliativo, interpretativo. Sua livre prática é vital para o funcionamento de uma sociedade livre e saudável. A nossa própria experiência do estudo profissional de História atesta que algumas das maiores contribuições para este estudo foram feitas por filósofos, linguistas, cientistas, políticos e mesmo por cidadãos comuns e criativos, que assumiram um interesse humano natural sobre o seu próprio passado e pelo dos outros. (Um dos maiores historiadores da China já produzidos por este país [Inglaterra] era um químico, Joseph Needham.) É claro que os historiadores acadêmicos sempre julgarão tal tipo de trabalho por seus próprios padrões, para seus próprios propósitos. Mas não devemos pré-julgar o valor de tal trabalho, negando a qualquer pessoa o direito legal de empreendê-lo.

Confio que os legisladores brasileiros reconhecerão quão prejudicial seria tal limitação para a qualidade da vida intelectual e cultural em seu país, e rejeitarão qualquer lei desse tipo.

Atenciosamente,

Peter Mandler
Presidente

Peter Mandler

Tradução: Roberto de Andrade Martins

4 comentários:

  1. Bastante interessante o texto acima. Realmente, o exercício da História tem que ser um direito de todos e não de uma classe que deseja criar privilégios para si.

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    1. De fato, seria uma grande vergonha para todos nós se apenas o Brasil criasse uma legislação garantindo uma reserva de mercado para os diplomados em história, proibindo todas as outras pessoas de se dedicarem às atividades de ensino e pesquisa histórica. Um bom projeto de lei de regulamentação deveria começar assim: "É livre o exercício da atividade de historiador."

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  2. Olá colegas...Acredito que ninguém informou os colegas ingleses que no Brasil não há concursos para historiadores nos Museus, Orgãos de Preservação de Patrimônio e Arquivos (local onde sua presença é fundamental) exatamente porque a profissão não é Regulamentada, como já é a dos sociólogos, geógrafos, museólogos....E curiosamente, no site dos amigos "Royals", há homenagens aos historiadores britânicos que auxiliaram na institucionalização da história na Grã-Bretanha. Ou seja, no Império pode, nas ex-Colônias - ai de nós - who cares? Abraços bem-humorados ao dono do blog e aos colegas leitores.

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    1. Prezada professora Cristina. Não sei se entendeu o que nós, do blog, estamos querendo fazer. Ninguém é contra a criação de uma regulamentação da profissão do historiador. No entanto, quase todas as associações e entidades (exceto a ANPUH) são contra o texto do projeto de lei que está tramitando no Congresso. Por favor, não confunda as coisas. É possível criar uma regulamentação que permita a abertura de concursos mas que não crie um monopólio e não proíba outras pessoas de exercerem atividades de pesquisa e ensino de história para as quais estejam qualificadas. A escolha não é entre nenhuma regulamentação ou o atual projeto de lei. A escolha é entre muitas possíveis redações para um projeto de lei, de tal modo a não criar uma reserva de mercado que prejudique outras pessoas que também são competentes.

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