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30 de agosto de 2013

Manifestações de importantes pesquisadores sobre o Projeto de Lei 4699/2013 de regulamentação da profissão de historiador

Apresentamos abaixo as manifestações de diversos pesquisadores importantes que criticam de forma total ou parcial o texto do Projeto de Lei 4.699/2013. Em ordem alfabética:
* Denise Bottmann (historiadora, tradutora)
* Francisco Marshall (historiador, UFRGS)
* José Murilo de Carvalho (historiador, UFRJ)
* Luiz Carlos Soares (historiador, UFF)
* Luiz Henrique Lopes dos Santos (filósofo, USP)
* Renato Janine Ribeiro (filósofo, USP)
* Ricardo Luiz Silveira da Costa (historiador, UFES)
* Simon Schwartzman (sociólogo, IETS)


Denise Bottmann

DENISE BOTTMANN

"A grande vocação e traço essencial da história - entendida como reflexão, pesquisa, produção de saber e disseminação de conhecimento - é a TRANSdisciplinaridade. É uma ilusão supor que exista História como área de atuação que se possa dissociar das demais áreas de conhecimento. E muito menos ainda a história se resume ou se caracteriza pela utilização de determinadas técnicas e métodos de pesquisa. Sob qualquer aspecto que se olhe, não vejo qualquer justificativa para a regulamentação da profissão, a não ser o mais estreito e míope corporativismo para garantir uma reserva de mercado no ensino e em instituições como museus e arquivos."

(Denise Bottmann graduou-se em história pela Universidade Federal do Paraná; é mestre em teoria da história e doutora em epistemologia da história. Foi docente de filosofia da Unicamp. É autora de Padrões explicativos na historiografia brasileira e vários artigos de crítica e teoria historiográfica em revistas especializadas. Atua como tradutora de inglês, francês e italiano desde 1985, nas áreas de ciências humanas, história da arte, teoria e história literária.)
  
Francisco Marshall

FRANCISCO MARSHALL

"A História é conhecimento humanístico interdisciplinar, e interessa à sociedade, com sentido de totalidade: feita por todos e para todos, com complexidade e multiplicidade. Mesmo o suposto núcleo metodológico específico da História, a crítica documental rigorosa (que, aliás, não se ensina nos cursos de História), é compartilhado com muitas disciplinas, especialmente o Direito, a Criminalística e o Jornalismo, entre outras. As teorias da História, por seu turno, são heterogêneas e escolhidas à la carte, sem a possibilidade de afirmar verdades absolutas; desconhecer isto seria negar a natureza narrativa da História. Ademais, todos os sujeitos, grupos e campos do conhecimento são titulares da sua memória e dos seus modos de produzir História; é ilegítimo e até ofensivo que esta autonomia seja alienada, como ora pretendem os militantes do corporativismo, defensores de privilégios aos diplomados em História, à custa da liberdade, da diversidade e da pertinência epistemológica. Em defesa do valor social da História e das autonomias científicas, sociais e artísticas, é imperioso que este projeto de regulamentação da profissão de historiador (PL4699/12) seja removido da cena pública e legal brasileira."

(Francisco Marshall, historiador e arqueólogo, professor do Departamento de História da UFRGS, membro da Academia Nacional de Ciências de Buenos Aires, coordenador do Grupo Interdisciplinar de Filosofia e História das Ciências ILEA-UFRGS.)

José Murilo de Carvalho

JOSÉ MURILO DE CARVALHO

"O projeto é um primor de corporativismo e obscurantismo. Confere a quem tiver diploma o monopólio do exercício de qualquer atividade no campo da história. Só faltou incluir no monopólio a publicação de livros. Segundo ele, não são historiadores qualificados  pesquisadores  reconhecidos pela excelência de  suas obras, como Boris Fausto, Alberto da Costa e Silva, Evaldo Cabral de Mello e outros. Entre os já falecidos, também ficariam de fora José Honório Rodrigues, Sérgio Buarque de Holanda, Pedro Calmon, Raymundo Faoro, para só citar alguns. São ainda vítimas do exclusivismo corporativista  as dezenas de profissionais competentes que se dedicam à escrita da história de suas áreas de conhecimento, como Medicina, Saúde, Física etc. História não é ciência exata, pertence ao campo das Humanidades, no qual se exige dos praticantes,  além do conhecimento de  métodos e técnicas de pesquisa, imaginação e criatividade, dons que nenhum diploma confere. No máximo, poder-se-ia aceitar a preferência para diplomados em História na contratação de docentes do ensino fundamental e médio."

"Oponho-me ao PL 4699/2012 e acho que deve ser rejeitado, entre outras, pelas seguintes razões:
1. No ensino básico, a reserva de mercado deixaria centenas de milhares de alunos sem professores de História. Iríamos importar historiadores, como agora se faz com médicos, para sanar o deficit?
2. No ensino superior, a reserva de mercado inviabilizaria ou, no mínimo, empobreceria, o ensino da História de todas as outras disciplinas. Como colocar um licenciado em História para ensinar história da Matemática, da Física, da Biologia etc.?
3. Ainda no ensino superior, a reserva de mercado encerraria  a História em um gueto, eliminando o contato com outras áreas de conhecimento, fonte de sua permanente renovação. A História, isto é, sua escrita,  tem-se alimentado da Retórica,  das Ciências Sociais, da Filosofia, da Linguística, da Literatura etc.
4. Corporativismo e reserva de mercado só beneficiam os que os defendem. Aplicados à profissão de historiador seriam uma originalidade brasileira que não nos recomendaria perante a comunidade acadêmica internacional. "

(José Murilo de Carvalho possui graduação em Sociologia e Política pela Universidade Federal de Minas Gerais, mestrado em Ciência Política pela Stanford University, doutorado em Ciência Política pela Stanford University, pós-doutorado em História da América Latina na University of London. Foi professor da Universidade Federal de Minas Gerais, no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, e professor visitante das universidades de Stanford, California-Irvine, Notre Dame (Estados Unidos), Leiden (Holanda), London e Oxford (Inglaterra) e na École des Hautes Études en Sciences Sociales (França). Foi pesquisador da Casa de Rui Barbosa, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, e pesquisador visitante do Institute for Advanced Study de Princeton. É professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pesquisador emérito do CNPq, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Brasileira de Letras. Suas pesquisas e sua produção concentram-se na história do Brasil Império e Primeira República, com ênfase nos temas da cidadania, republicanismo e história intelectual.)

Luiz Carlos Soares

LUIZ CARLOS SOARES

"Sou a favor da regulamentação no sentido único e exclusivo de se criar uma carreira de historiador para arquivos e instituições de pesquisa e memória, visto que muitas vezes o profissional de história, nestes ambientes de trabalho, é confundido com o arquivista e o bibliotecário. O historiador não desempenha as mesmas funções destes profissionais e não pode ser confundido com eles. Quanto ao magistério de primeiro e segundo graus, chego até pensar numa inconstitucionalidade ou sobreposição do projeto de lei em pauta à LDB, que também chega a estabelecer dispositivos de orientação da atividade docente nestas esferas de ensino. Para as universidades, ou melhor, o exercício do magistério na área de história no ensino superior, este projeto de lei é simplesmente inócuo. Acho que ele tinha que se restringir àquilo que mencionei acima e não entrar em searas que levarão a conflitos com profissionais que se vinculam à História da Ciência, à História da Arte, à História da Educação, à História da Literatura, etc. O interessante nas humanidades é que elas permitem que os profissionais nelas formados possam circular pelas suas áreas e cultivar a multidisciplinaridade, apesar das suas formações acadêmicas específicas. Quando se tem uma legislação que inibe isso, estamos diante de um grande retrocesso (histórico)."

(Luiz Carlos Soares, Professor Titular de História Moderna e Contemporânea Aposentado do Departamento de História da UFF e Professor Visitante Senior do  Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia da UFRJ. Foi Secretário-Geral da Associação Nacional de História (ANPUH), na gestão 2001-2003, e Presidente desta entidade, na gestão 2003-2005. Foi Presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica (ABPHE), na gestão 1997-1999. Foi ainda Presidente na Sociedade Brasileira de História da Ciência, nas gestões 2006-2008 e 2008-2010. Recentemente, foi eleito membro do Conselho Deliberativo da Divisão de História e Filosofia da Ciência da Associação Internacional de História e Filosofia da Ciência (2013-2017). Foi Coordenador-Adjunto da Área de História da CAPES (2008-2011) e atualmente é membro do Comitê Assessor da Área de História do CNPq. (2012-2015).)   

Luiz Henrique Lopes dos Santos

LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS

"O projeto de lei 4699/2012, que regulamenta a profissão de historiador, é mais um exemplo de tentativa de burocratização corporativista das atividades culturais. Noves fora as intenções de seus defensores (do tipo de que o inferno está cheio), os termos em que o projeto está redigido são tão genéricos e vagos que acabam por conferir aos dotados de canudos em História o monopólio do tratamento intelectual de qualquer tema que envolva a história (e qual não envolve????). O item VI do artigo 4 limita aos dotados desses canudos o direito de "elaborar projetos e trabalhos sobre temas históricos". Ou seja: quando publicar meu livro sobre Leibniz, vou preso por exercício ilegal da profissão... Nesse caso, já aviso aos amigos: fumo Free maço vermelho."

(Luiz Henrique Lopes dos Santos possui graduação em Filosofia pela Universidade de São Paulo e doutorado em Filosofia pela Universidade de São Paulo. Atualmente é coordenador da revista Pesquisa FAPESP da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, professor associado da Universidade de São Paulo e coordenador das áreas de humanidades da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em História da Filosofia.)

Renato Janine Ribeiro

RENATO JANINE RIBEIRO

"Até agora, eu não tinha dado muita importância ao projeto de lei que limita a profissão de historiador a quem tem diploma (de graduação ou pós-graduação) em História. Mas li o projeto. É um absurdo. A História é uma área de conhecimento eminentemente interdisciplinar. Conhecem Georges Duby? um dos maiores historiadores que o século XX teve. Eu traduzi seu incrível "Guilherme Marechal, o melhor cavaleiro do mundo". A certa altura, diz Duby: a história das mentalidades é mais ou menos como a etnologia. Mas, segundo o projeto de lei, etnólogos não poderiam lecionar História, sequer em faculdades! Para a escola dos Annales, um dos melhores grupos de historiadores do século XX, além das mentalidades, havia que estudar curvas de preços, demografia, economia. Pois, segundo o projeto de lei, um doutor em economia ou demografia não poderá lecionar em faculdades de História. Imaginam o que vai virar um curso de História?
Há áreas em que a interdisciplinaridade é secundária ou até indesejável. Mas não é este o caso da História.
Por fazer mal ao estudo e ensino de História, o projeto de lei merece ser rejeitado."

(Renato Janine Ribeiro fez graduação em Filosofia na USP, mestrado em Filosofia pela Université Paris 1 Pantheon-Sorbonne, doutorado em Filosofia pela Universidade de São Paulo. Foi professor titular da Universidade de São Paulo, na disciplina de Ética e Filosofia Política, título que manteve após sua aposentadoria, em agosto de 2011. Recebeu o prêmio Jabuti de melhor ensaio (2001), a Ordem Nacional do Mérito Científico (1997) e a Ordem de Rio Branco (2009). Atua na área de Filosofia Política, com ênfase em teoria política. Foi Diretor de Avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Capes. É membro do Conselho Deliberativo do Instituto de Estudos Avançados da USP, e pertenceu a sua Comissão de Atividades Acadêmicas e a seu Conselho de Ética. )

Ricardo Luiz Silveira da Costa

RICARDO LUIZ SILVEIRA DA COSTA

"A História não é e nem pode ser uma exclusividade de bacharéis e licenciados. Há uma miríade de notáveis Historiadores sem diploma. O passado requer de seu arquiteto sensibilidade e compreensão, generosidade e imaginação, amplitude de espírito e intuição, qualidades que não são ensinadas, mas cultivadas na solidão da leitura, meditação e reflexão. Isso é Arte, o projeto, regulamentação da mediocridade."

(Ricardo Luiz Silveira da Costa é Mestre e Doutor em História Social pela UFF, com dois Pós-Doutorados em História Medieval e Filosofia Medieval pela Universitat Internacional de Catalunya, Barcelona. Professor Associado III do Departamento de Teoria da Arte e Música da UFES. Acadêmico Correspondente da Reial Acadèmia de Bones Lletres de Barcelona, Espanha. Sócio Titular do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Líder do Grupo de Pesquisa do CNPq "Arte, Filosofia e Literatura na Idade Média". Professor Efetivo do Programa de Doctorado Internacional Transferencias Interculturales e Históricas en la Europa Medieval Mediterránea da Facultad de Filosofía y Letras da Universitat d Alacant (UA-Espanha), dos Programas de Pós-Graduação em Filosofia (PPGFil) e Artes (PPGA) da UFES.)

Simon Schwartzman

SIMON SCHWARTZMAN

"A tentativa de ampliar o monopólio médico sobre todas as atividades relacionadas à saúde tem muito mais a ver com a  busca de reserva de mercado para os diplomados em medicina do que com os interesses da população, o que não significa, naturalmente, que os profissionais de saúde não devam ser propriamente certificados e sua atuação regulamentada, assim como a dos profissionais da engenharia ou do direito. Mas existe, no Brasil, a ideia de que a cada área de conhecimento corresponde uma profissão, uma confusão que tem causado grandes problemas, e que parece não ter fim.
Agora surge, por exemplo, a tentativa de regulamentar a  ”profissão” de historiador, como se isto existisse. [...]
Quem sabe o Congresso, alertado, não cria juízo e reverte esta tendência a aprovar este tipo de projeto, e, se isto ocorrer, a Presidência da República usa seu poder de veto, da mesma forma que vetou os artigos do ato médico?"

(Simon Schwartzman é o atual presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS) no Rio de Janeiro. Até 1988, ele foi o Presidente da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Estudou Sociologia, Ciência Política e Administração Pública na Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, (1958/1961), estudou na Escola Latino-Americana de Ciências Sociais da UNESCO (FLACSO) em Santiago do Chile (1992/1993), e obteve o seu Ph.D. em Ciências Políticas na Universidade da Califórnia, Berkeley, em 1973. Ele tem vivido no Rio de Janeiro desde 1969, trabalhando e ensinando na Fundação Getúlio Vargas e, até 1988 no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. Foi professor de Ciências Políticas nas universidades de São Paulo e Minas Gerais, foi também Pesquisador Sênior na Fundação Getúlio Vargas. Antes disso, foi diretor de pesquisas do Grupo de Pesquisas sobre Ensino Superior na Universidade de São Paulo.)

8 comentários:

  1. Finalmente pessoas sensatas que trafegam no mundo de Clio dão suas opiniões.
    Há muito a ANPUH tornou-se um grande dinossauro que não representa os anseios de muitos historiadores, sejam eles de formação ou diletantes...
    Sinceramente espero que o projeto seja rejeitado ou totalmente vetado pela Dilma.

    Carla Mary S. Oliveira
    Professora Associada
    Departamento de História
    Universidade Federal da Paraíba

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    1. Prezada professora Carla Mary Oliveira,
      Agradecemos muito por manifestar sua posição firme e corajosa!
      É realmente muito animador verificar que um número crescente de pesquisadores está refletindo de forma cuidadosa sobre o projeto de lei que regulamenta a profissão de historiador. Infelizmente, ainda temos milhares de pessoas que nem sequer leram o texto do projeto de lei mas que se deixam levar pelo apelo de "queremos regulamentação já!", como um grande rebanho. Por isso, consideramos importante difundir de forma ampla as informações sobre tudo o que está ocorrendo, bem como os muitos argumentos e posições contra o projeto de lei. Milhares de pessoas que subscreveram o abaixo-assinado liderado pela ANPUH, sem se informar, talvez continuem não sabendo e não querendo saber do que se trata. Mas podemos, felizmente, atingir muitas pessoas que se preocupam de fato com o problema e querem ter uma posição bem fundamentada.

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  2. Não sou uma importante pesquisadora da história, mas é na condição de aspirante a um espaço a ser “conquistado” que venho me manifestar, e principalmente, por me sentir a parte mais vulnerável, aqui não representada.
    A minha primeira análise diz respeito ao lugar de fala dos historiadores. Todos eles, professores com carreiras “estáveis” e consolidadas, o que faz com que, as previsões contidas no projeto não os atinjam. O Projeto, se aprovado, por força de dispositivo constitucional, não violará o direito adquirido e as situações já consolidadas. A lei não retroage nesses casos, seus efeitos são ex nunc, isto é, somente serão aplicados a partir da publicação da lei.
    Ao me deparar com as alegações de corporativismo por parte desses notáveis historiadores, pensei: não seriam eles detentores de “corporativismo não formalizado”? Penso que sim, pois estariam defendendo interesses próprios e de um grupo com direitos já delineados, em detrimento daqueles que estão ingressando no mercado de trabalho ou pretendendo fazê-lo, que em verdade, são os principais ameaçados pela falta de regulamentação da profissão.
    Para onde irão esses profissionais se não tiverem espaços definidos no mercado? A resposta mais provável é que continuem como educadores e acadêmicos, sem muitas perspectivas do exercício da profissão em outras áreas.
    Aliás, numa análise ampliada das posições dos que se manifestam contra o Projeto, vejo que o curso Universitário de História seria desnecessário. Qual seria o objetivo de formar historiadores, se qualquer pessoa que detenha: talento, intelectualidade, facilidade de pesquisa e de escrita, poderia se arvorar em ser um? Dito de outra forma, de que adiantariam os debates teóricos, os longos estudos sobre metodologia e historiografia, se qualquer um sem esses conhecimentos estaria igualmente apto a exercer o ofício? Penso que a resposta já foi dada na afirmativa que antecede às perguntas.
    O intelectualismo, muitas vezes cega quando busca a categorização e o enquadramento em conceitos sem considerar os seus matizes. O intelectual, seja ele historiador ou não, se desdobra: em educador, pesquisador/cientista ou parecerista de projetos, por exemplo, e sendo esta uma profissão, é passível de regulamentação. A meu ver, a lei não visa ceifar os intelectuais, mas regulamentar o ofício destes intelectuais enquanto historiadores.
    O movimento dos Annales aqui citado, dentre muitas outras frentes, inclusive a mencionada interdisciplinaridade, primou também pelo “ofício do historiador”, pela história-ciência, não desprezando os métodos, mas ampliando-os e flexibilizando-os.
    Concordo que a história pluri, trans, multi e interdisciplinar é infinitamente rica e deve ser mantida, contudo isso não significa dizer que ela seja destituída de suas especificidades, posto que, são as disciplinas que se entrecruzam, já os profissionais enquanto intelectuais, por certo, transitam pelas diversas áreas do conhecimento a fim de contribuir com a sua área de atuação.
    Aliás, o meu projeto de pesquisa segue neste sentido. Procuro investigar se há um diálogo entre historiadores e historiadores da ciência (que em sua maioria são cientistas). Se existe um fosso entre as duas disciplinas e quais seriam as perspectivas para mitigar este fosso. Aponto para uma direção, talvez a de que os historiadores precisem assumir uma postura e enfrentar o problema, tratando a ciência como um objeto possuidor de uma historicidade. Se nós

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    1. Andrea,
      Seus comentários abordam tantos pontos diferentes, que fica difícil comentá-los. Vou falar apenas sobre um ponto: as leis não podem ser retroativas. Sim, isso é verdade... em certo sentido. Se uma lei estabelece que algo é proibido (realizar atividades que são prerrogativas do historiador, sem possuir diploma de História), ninguém pode ser condenado por ter feito essa coisa antes da aprovação da lei. Porém, a partir da publicação da lei, qualquer pessoa pode ser condenada por fazer essas atividades, se não tem o direito de fazê-las, por lei. Ou seja: a partir da publicação da lei, as pessoas que não possuem diploma em história ficariam proibidas de realizar qualquer atividade de história (ensino, pesquisa, etc.) porque o texto do projeto de lei não abre qualquer exceção para essas pessoas (ao contrário de outras leis, de outras profissões).
      Então, mesmo as pessoas "da velha guarda" não teriam direito garantido de continuarem a pesquisar e publicar sobre história, se o projeto de lei fosse aprovado com seu texto original.

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  3. continuando... estudamos para alcançar o conhecimento acerca das ferramentas teórico- metodológicas para análise da história nas suas mais diversas áreas, nada mais justo do que nos assumirmos enquanto profissionais habilitados para este ofício.
    A mim, parece salutar que o historiador trilhe, como a grande maioria séria e responsável o fez e faz, pelos caminhos acadêmicos que nos consome anos de dedicação e esforço.
    Importante ressaltar que o projeto de lei em seu artigo 3º. , é bem claro no sentido de não ser a graduação um pré-requisito, podendo o historiador vir de outra área de formação, bastando ter o mestrado ou doutorado em história. Neste caso, talvez, para que não se transforme em alvo fácil para os debates da hermenêutica jurídica, seria interessante que se utilizasse a conjunção coordenativa “ou”, ou seja, o exercício de historiador é privativo do graduado ou mestre ou doutor em história.
    O espaço (ou reserva de mercado- como queiram) que o projeto destina aos historiadores, não será conferido indiscriminadamente, ao revés, estará disponível aos que merecidamente conquista-lo, o que demanda tempo, esforço, investimento (não sejamos medíocres- investimos em livros, cursos, congressos...) dedicação e muito estudo.
    O mais justo e sensato neste caso, sobretudo com os que estão começando (aí eu me incluo) ou pretendendo ingressar na carreira, que sugerissem adequações e mudanças de forma a contemplar o maior número possível de profissionais. Poderia, por exemplo, embora seja desnecessário, inserir um artigo protegendo os direitos e cargos daqueles que de alguma maneira já se encontram no mercado, ou de alguma forma já estão consagrados como historiadores.
    Por fim, se os argumentos desses historiadores fossem no sentido de eliminar as disciplinas e retornar às humanidades na forma anterior ao processo de cientificidade das ciências humanas, possivelmente, o que eu disse aqui, não se justificaria.

    Andréa Vieira- Mestranda em História
    Universidade Federal de Minas Gerais

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    1. Andréa,
      Respondo aqui um outro ponto específico da sua postagem (impossível comentar tudo). Concordo totalmente que o projeto de lei deve sofrer adequações. Uma delas é exatamente a que você apontou: "Poderia, por exemplo, embora seja desnecessário, inserir um artigo protegendo os direitos e cargos daqueles que de alguma maneira já se encontram no mercado, ou de alguma forma já estão consagrados como historiadores." Como já expliquei acima, isso NÃO É DESNECESSÁRIO. É um dos pontos com os quais a ANPUH concordou recentemente, depois de receber muitas críticas. Veja esta postagem:
      http://profissao-historiador.blogspot.com.br/2013/09/anpuh-propoe-mudancas-do-projeto-de-lei.html
      As outras propostas que estão surgindo também procuram corrigir este e outros defeitos do projeto de lei original. O próprio Senador Paim, que foi quem propôs esse projeto de lei, concorda que ele precisa ser submetido a emendas.

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    2. Roberto,
      Acompanhando o raciocínio desenvolvido na sua primeira fala, tendo a concordar com você. De fato o melhor é que o projeto de lei contemple expressamente aqueles que de alguma forma já exerçam a profissão de historiadores. Penso que a inclusão do inciso IV do art. 3o. ao Projeto de Lei, garantirá esse direito e legitimará esses profissionais perante a Lei, em caso de aprovação.
      E quanto à alínea "a" do art. 4o., você tem alguma posição a respeito? Pensa que o fato de destacar as disciplinas poderia implicar numa hiperespecialização das mesmas com tendências ao isolacionismo, prejudicando a interdisciplinaridade?

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    3. Segundo a nova de redação do Projeto de Lei proposta pela ANPUH, temos:

      Art. 4º São atribuições dos historiadores:
      I – magistério da disciplina de História nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio (cumprida a exigência da LDB quanto à obrigatoriedade da licenciatura) e no ensino superior.
      a) no ensino superior, as disciplinas dedicadas à História de áreas específicas do saber (como História da Educação, da Ciência e da Arte) poderão ser ministradas por docentes que tenham realizado mestrado ou doutorado em cursos de pós-graduação com linhas de pesquisa que contemplem a história das respectivas áreas.

      Se for esse o ponto que você está discutindo, penso que isso não indica uma excessiva especialização e isolacionismo, por causa da expressão "poderão". Isso não exclui o historiador "puro".

      Por outro lado, o isolamento e especialização podem ocorrer e ocorrem em inúmeros casos. Uma pessoa que pesquisa História do Brasil do século XIX dificilmente consegue acompanhar aquilo que está surgindo de novo sobre História Medieval da Europa, e vice-versa. Uma pessoa que pesquisa História da Arte dificilmente ficará a par do que se faz em História da Astronomia, e vice-versa. Isso é a decorrência natural da necessidade de se concentrar na própria pesquisa. Não depende de legislação.

      A interação e interdisciplinaridade ocorrem, na verdade, quando o objeto de estudo é comum a duas áreas de estudo ou duas abordagens. Para estudar o período das grandes navegações, por exemplo, os historiadores da ciência precisam conhecer a história política da época, e vice-versa.

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